São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

Supremacia nuclear

"UM ESTADO responsável com tecnologia nuclear avançada." Essas palavras, usadas por George W. Bush para justificar o reconhecimento americano do estatuto da Índia de potência nuclear "oficial", destroçaram o princípio da não-proliferação e acalentaram as esperanças iranianas de que, um dia, sua aventura nuclear lhes renderá os mesmos dividendos. O Irã enganou-se.
A política dúplice de Washington, que premia a Índia e ameaça o Irã, é moralmente escandalosa mas estrategicamente coerente. O relatório de Estratégia Nacional de Segurança da administração Bush de 2002 definiu a meta de uma hegemonia nuclear absoluta. Um artigo recente, de K. Lieber e D. Press, publicado na "Foreign Affairs", evidencia os avanços nessa direção.
Comparada à URSS de 1990, a Rússia dispõe hoje de 39% menos bombardeiros estratégicos, 58% menos mísseis intercontinentais terrestres e 80% menos mísseis baseados em submarinos. Ainda mais impressionante é a deterioração dos níveis de manutenção e prontidão dos sistemas nucleares russos.
Ao contrário do cenário do fim da Guerra Fria, quando um primeiro ataque nuclear americano redundaria na destruição mútua, hoje ele provocaria a rendição de uma Rússia em ruínas.
Segundo um mito popular, a modernização do dispositivo nuclear americano destina-se a enfrentar ameaças de potências secundárias ou grupos terroristas. Mas as prioridades de investimentos indicam que os verdadeiros alvos são a Rússia e a China. O próprio escudo antimíssil em desenvolvimento nos EUA só pode ser entendido como elemento complementar de um primeiro ataque contra uma dessas potências.
"O relatório da CIA: como será o mundo em 2020" (Ediouro, 2006), projeta um cenário no qual a China ultrapassa a Rússia em poderio militar. Atualmente, porém, a modernização bélica chinesa concentra-se no arsenal convencional e, no horizonte de uma década, o país não terá uma força de dissuasão nuclear significativa. É nesse contexto que adquire sentido a política dúplice de Washington.
Na estratégia americana, a Índia deve sedimentar sua condição de potência nuclear média para desempenhar a função de contrapeso à China. A Índia é um "Estado responsável" porque acaba de estabelecer uma parceria estratégica com os EUA, que patrocinam seu estatuto nuclear "oficial" e definem os limites de seu programa militar. A Índia de hoje não é o Irã de amanhã. Mesmo um arsenal nuclear iraniano limitado representaria uma ameaça insuportável à presença americana no Oriente Médio e deflagraria uma "corrida à bomba" no Egito e na Arábia Saudita.

@ - magnoli@ajato.com.br


DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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