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DEMÉTRIO MAGNOLI
Supremacia nuclear
"UM ESTADO responsável
com tecnologia nuclear
avançada." Essas palavras, usadas por George W. Bush
para justificar o reconhecimento
americano do estatuto da Índia de
potência nuclear "oficial", destroçaram o princípio da não-proliferação e acalentaram as esperanças
iranianas de que, um dia, sua aventura nuclear lhes renderá os mesmos dividendos. O Irã enganou-se.
A política dúplice de Washington, que premia a Índia e ameaça o
Irã, é moralmente escandalosa
mas estrategicamente coerente. O
relatório de Estratégia Nacional de
Segurança da administração Bush
de 2002 definiu a meta de uma hegemonia nuclear absoluta. Um
artigo recente, de K. Lieber e
D. Press, publicado na "Foreign Affairs", evidencia os avanços nessa
direção.
Comparada à URSS de 1990, a
Rússia dispõe hoje de 39% menos
bombardeiros estratégicos, 58%
menos mísseis intercontinentais
terrestres e 80% menos mísseis baseados em submarinos. Ainda mais
impressionante é a deterioração
dos níveis de manutenção e prontidão dos sistemas nucleares russos.
Ao contrário do cenário do fim da
Guerra Fria, quando um primeiro
ataque nuclear americano redundaria na destruição mútua, hoje ele
provocaria a rendição de uma Rússia em ruínas.
Segundo um mito popular, a modernização do dispositivo nuclear
americano destina-se a enfrentar
ameaças de potências secundárias
ou grupos terroristas. Mas as prioridades de investimentos indicam
que os verdadeiros alvos são a Rússia e a China. O próprio escudo antimíssil em desenvolvimento nos
EUA só pode ser entendido como
elemento complementar de um
primeiro ataque contra uma dessas
potências.
"O relatório da CIA: como será o
mundo em 2020" (Ediouro, 2006),
projeta um cenário no qual a China
ultrapassa a Rússia em poderio militar. Atualmente, porém, a modernização bélica chinesa concentra-se no arsenal convencional e, no
horizonte de uma década, o país
não terá uma força de dissuasão
nuclear significativa. É nesse contexto que adquire sentido a política
dúplice de Washington.
Na estratégia americana, a Índia
deve sedimentar sua condição de
potência nuclear média para desempenhar a função de contrapeso
à China. A Índia é um "Estado responsável" porque acaba de estabelecer uma parceria estratégica com
os EUA, que patrocinam seu estatuto nuclear "oficial" e definem os
limites de seu programa militar. A
Índia de hoje não é o Irã de amanhã. Mesmo um arsenal nuclear
iraniano limitado representaria
uma ameaça insuportável à presença americana no Oriente Médio
e deflagraria uma "corrida à bomba" no Egito e na Arábia Saudita.
@ - magnoli@ajato.com.br
DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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