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A hora da Amazônia
Tecnologia e conservação deveriam nortear um novo modelo para desenvolver a região que ocupa metade do Brasil
O DESMATAMENTO da
Amazônia, além de estar no fulcro da imagem brasileira no exterior, desperta repúdio generalizado na opinião pública nacional. Após cinco séculos de crescimento com dilapidação de capital natural, o país enfim se dá
conta de que seu futuro depende
de uma guinada na marcha sobre
a floresta, "a ferro e fogo".
O desafio está não tanto em
conciliar desenvolvimento com
preservação ambiental, dicotomia ultrapassada, mas em casar sustentabilidade com tecnologia. Assim
será possível reverter em benefício da população amazônica
e do país, hoje e
para futuras gerações, a exploração de um dos
maiores acervos de recursos
naturais estratégicos.
A virtual unanimidade em
favor de preservar os mais de
80% de floresta
amazônica remanescente,
contudo, não
implica clareza
sobre os meios
de realizar o objetivo. Cabe ao
governo federal
arbitrar os interesses em jogo.
Com o momento adquirido pela questão amazônica, é hora
de formular
uma política
ousada para a região que cobre
mais da metade do Brasil.
Começa a esboçar-se algo próximo de um consenso quanto às
linhas gerais de um programa
que não se reduza a uma lista de
obras. O primeiro obstáculo a superar é a reticência do presidente Lula em assumir um compromisso concreto com a progressiva redução do desmatamento.
Só uma tal meta de Estado,
vinculada a prazo definido, porá
termo à ambigüidade da política
ambiental. Seria factível estabilizar a taxa de desmatamento, até
2015, no patamar máximo de 10
mil km2 anuais, próximo do que
se obteve em 2007. Além disso,
investir cerca de R$ 1,5 bilhão
anual para recuperar 150 mil
km2 em dez anos.
A soma é alta, mas compatível
com a capacidade de financiamento do Estado brasileiro. Basta mencionar que a cada ano valores similares são lançados em
multas ambientais nunca arrecadadas. Caberia priorizar sua
cobrança, focalizando as de
maior valor e potencial para produzir efeitos demonstrativos.
O nó górdio da destruição reside na questão fundiária. Apenas
4% das terras na região são áreas
privadas com títulos validados;
outros 43% correspondem a unidades de conservação e terras indígenas. Do restante, 1 milhão de
km2 (21% do total) são áreas supostamente públicas, as quais
urge mapear e inscrever no patrimônio da União.
Há ainda 1,6 milhão de km2
(32%) de terras alegadamente
privadas. Estima-se que um terço -420 mil km2, o equivalente a
meio Mato Grosso- seja de posses ilegais. O governo federal deveria regularizá-las, mas só até o
limite de 500
hectares e contra pagamento,
para não premiar a grilagem.
O zoneamento
ecológico-econômico constitui ferramenta
importante para
disciplinar o uso
da terra, mas é
ilusório aguardar que abranja
os 5 milhões de
km2 da Amazônia Legal. Cumpre priorizar regiões onde avança a fronteira
agrícola. Como
princípio geral,
impõe-se circunscrever a
agricultura intensiva e a pecuária às áreas já
desmatadas.
Do governo federal se exige
ainda que aprofunde o uso do
crédito como
alavanca para
forçar o cumprimento de mínimos padrões fundiários, ambientais e trabalhistas. Não faltam fontes como fundos constitucionais para fomentar atividades de extrativismo de baixo impacto. É urgente financiar mais
estudos para conceder a exploração de florestas públicas à iniciativa privada.
A revolução amazônica dependerá também de forte influxo de
conhecimento. O governo deveria encampar a proposta da Academia Brasileira de Ciências de
investir R$ 30 bilhões até 2018
em pesquisa aplicada na região.
O objetivo seria criar cadeias
produtivas de alta tecnologia e
elevado valor agregado, capazes
de atrair capital privado.
O modelo de desenvolvimento
para o trópico florestal ainda está por ser inventado. Mais que
um fardo, isso representa para o
país uma grande oportunidade.
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