|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Diversificar e evoluir
Pesquisa nacional precisa fechar o fosso entre ciência básica e inovação; sem isso,
biodiversidade só reciclará mito do "berço esplêndido"
Celebrado como campeão da
biodiversidade, o Brasil nem mesmo engatinha no aproveitamento
desse patrimônio genético em benefício da população.
Estima-se que vivam nas matas
brasileiras algo entre 1,4 milhão e
2,4 milhões de espécies vegetais e
animais, talvez um oitavo da diversidade biológica da Terra. No
entanto, a mais óbvia forma de exploração desses recursos -medicamentos produzidos a partir de
plantas, ou fitoterápicos- não fincou raízes por aqui.
Reportagem desta Folha revelou que há no mercado um único
fitoterápico desenvolvido no país
a partir de plantas da flora nacional. Trata-se de um anti-inflamatório, em forma de pomada, produzido com base na erva-baleeira
(Cordia verbenacea), típica da mata atlântica. Foram necessários sete anos e R$ 15 milhões de investimento para lançar o produto.
Mal se conhece o mercado interno para essa classe de remédios.
Calcula-se que apresente vendas
da ordem de US$ 350 milhões a
US$ 550 milhões anuais.
No mundo todo, são US$ 44 bilhões. O Brasil estaria deixando de
gerar US$ 5 bilhões ao ano, por
sua incapacidade de criar remédios a partir de suas plantas.
Esta vem a ser apenas mais uma
evidência do calcanhar de aquiles
da pesquisa brasileira -a dificuldade de transformar conhecimento básico sobre a natureza em conhecimento útil para a sociedade
e o setor produtivo.
Não falta ciência de qualidade
no país. Faltam, sim, pessoas, instituições e políticas em condições
de erguer uma ponte entre os laboratórios da academia e as bancadas industriais.
Tal diagnóstico encontra-se disponível pelo menos desde 2001,
quando se realizou a memorável
Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação -que impôs o tema à agenda nacional. De
lá para cá, muitas leis e iniciativas
ganharam vida na tentativa de
corrigir a distorção.
Continua-se às voltas com o
problema, contudo. O país detém
o escore irrisório de menos de 1%
das patentes mundiais.
O caso do único fitoterápico nacional volta a ser ilustrativo. Seu
criador, João Batista Calixto, decidiu transferir o laboratório da Universidade Federal de Santa Catarina para o Parque Tecnológico Sapiens, em Florianópolis.
O centro de pesquisas em fase
de montagem trabalhará para empresas, sem as amarras do meio
universitário, como a necessidade
do pesquisador de publicar resultados para ser avaliado como produtivo. A informação quando
atinge o domínio público dificulta
a obtenção de patentes.
Não há, porém, contradição entre as duas práticas. Um sistema
nacional de ciência e tecnologia
maduro terá lugar e incentivos
adequados tanto para a ciência
básica financiada com recurso público, cuja espinha dorsal é a publicação e avaliação crítica dos resultados, quanto para a inovação,
que pede sigilo e investimentos
privados volumosos.
O Brasil precisa insistir na demolição das barreiras institucionais e burocráticas para a vertente
inovadora e empreendedora da
pesquisa. Precisa fazê-lo, porém,
sem sufocar a ciência básica, que
é o primeiro motor do conhecimento. Esta é a mensagem mais
importante da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação, que foi realizada no final do mês passado.
Próximo Texto: Editoriais: Humor sem profeta
Índice
|