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BORIS FAUSTO
Luzes e sombras no Prata
Volto de uma breve viagem a
Buenos Aires com uma sensação
positiva. Há mais ânimo nas pessoas,
mais movimento nas ruas, lojas e restaurantes. Os catadores de lixo e os
mendigos continuam existindo, mas
parecem incorporados irremediável e
infelizmente à paisagem social.
Mesmo uma rápida análise revela
que muitos problemas permanecem,
embora em condições menos dramáticas. Espera-se para este ano um crescimento de 5,5%, e a taxa de desemprego, segundo cálculos da OIT, deve
ficar em 15% da população economicamente ativa. É bom lembrar, entretanto, que o substancial crescimento
segue-se ao ano de 2002, em que houve crescimento negativo de 10,8%. Ao
mesmo tempo, a expectativa de queda
do desemprego, contrastando com a
taxa média de 19,6% do ano anterior,
deve ser matizada pelo fato de que
muitos beneficiários de planos sociais
são considerados empregados quando realizam alguma contraprestação
aos benefícios.
O acordo com o FMI poderá sair,
quem sabe, ainda nesta semana. As
controvérsias giram principalmente
em torno do nível do superávit primário, que a Argentina quer fixar em 3%
durante os três anos de duração do
acordo enquanto o FMI insiste na fixação desse percentual apenas para o
primeiro ano -com revisão para cima nos seguintes.
Do ponto de vista político, o presidente Kirchner alcança níveis de aceitação muito altos, superiores a 70%, o
que é em princípio auspicioso depois
de um período de descrédito generalizado de toda a classe política. A popularidade do presidente decorre de
uma combinação de fatores: a retórica
no tratamento com o FMI; a corajosa
disposição de reabrir a possibilidade
de punição dos responsáveis pelas
violências no curso do regime militar;
o estilo pessoal de comunicação, lembrando um acessível senhor de classe
média; o grande desejo da população
de que, enfim, dias melhores estejam
próximos.
Convém lembrar, porém, que
Kirchner, eleito com apenas 22% dos
votos, tem um problema talvez mais
grave diante de si. Como diz o articulista Joaquin Morales Solá em "La Nación" (2/9), sua investidura ocorre
quando o sistema histórico de partidos parece ter entrado em colapso.
Daí a emergência de um novo protagonista na política argentina: as pesquisas de opinião e suas supostas verdades irrefutáveis, nas quais o governo se apoia.
Mas isso reforça as inclinações personalistas ou mesmo autoritárias do
presidente, segundo alguns, e seu
prestígio pode esfumar-se se a vida
das pessoas não melhorar sensivelmente. Kirchner depende, pois, de
uma base partidária mais sólida, representada principalmente pelo peronismo da Província de Buenos Aires,
sob o comando de Eduardo Duhalde.
Até aqui, Duhalde vem manifestando
apoio ao presidente em meio às diferenças, mas bem sabemos como são
comuns na vida política as revoltas da
criatura contra o criador e vice-versa.
Em resumo, há luzes e sombras ao
longo do caminho. À distância, cabe a
nós desejar que as primeiras sejam
preponderantes. Ou, em estilo mais
popular fora dos campos de futebol,
torçamos pela Argentina!
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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