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São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Efetividade da Justiça

CLÁUDIO BALDINO MACIEL

Numa sociedade dinâmica e complexa como a brasileira, com grandes desequilíbrios sociais e caracterizada por constantes conflitos de interesses, a efetividade da Justiça é um imperativo inadiável.
Justiça efetiva é a que se manifesta por um efeito real, positivo, cujas decisões sejam respeitadas por sua segurança e exequibilidade, mais do que pela beleza das formas ou pelo apego ao ritualismo estéril.
No Brasil há um aparente paradoxo: por um lado, a grave dificuldade, para muitos, de acesso à Justiça; por outro, o grande volume de processos nos tribunais. Dizem que a Justiça brasileira é inacessível, mas ao mesmo tempo é lenta porque está abarrotada de ações. Como é possível?
O paradoxo é apenas aparente, porque um expressivo número de processos que chega aos foros e tribunais não decorre de questões jurídicas realmente controvertidas, mas de puro e simples retardamento ou resistência a comandos legais ou contratuais, por vezes indiscutíveis. O mau pagador, o descumpridor de suas obrigações -em suma, o "mais esperto"- utiliza-se das disfuncionalidades do sistema jurídico, de juros de mora irrisórios, vastas possibilidades de recursos e da falta de severa punição pelo descumprimento injustificado das decisões para levar vantagem. O próprio Estado, sem nenhuma consequência para o administrador, assim age, relegando o infeliz credor à "via crucis" e à infâmia do sistema de precatórios, a forma mais requintada de calote oficial.
Se não houvesse fortes interesses por trás disso, até hoje não suplantados pelas reformas colocadas em prática, o processo judicial seria muito mais rápido e verdadeiramente útil aos que, com boa-fé, recorrem à Justiça para fazer valer seus direitos.
Os problemas começam bem antes do nascimento dos litígios. O choque de interesses no processo legislativo leva à aprovação de textos dúbios, com interpretações em aberto, como alternativa à superação de impasses políticos. Temos, então, um sistema legal ao mesmo tempo caótico e pouco hábil a induzir a autocomposição dos conflitos. E tudo, ou quase tudo, termina nos tribunais, por necessidade ou interesse.


Há mais de dez anos debate-se uma reforma do Poder Judiciário no Congresso Nacional, sem êxito

Num país em que o trabalho escravo no campo, os conflitos pela posse da terra, o recrudescimento do crime organizado, o descontrole do sistema penitenciário e a informalidade da economia coexistem com complexos negócios jurídicos do mundo globalizado, demandas em massa e toda a sorte de conflitos decorrentes das novas tecnologias e da comunidade cibernética, não prover o Judiciário de instrumentos e estrutura adequados para solucionar com brevidade e eficiência os conflitos que se multiplicam aos milhares nessa sociedade dinâmica compromete a credibilidade do Poder, com imenso prejuízo à cidadania.
Os magistrados -mesmo a grande maioria que trabalha inclusive aos fins de semana- sentem-se igualmente frustrados por não conseguirem ver seu esforço resultar em dados positivos de efetividade na jurisdição. Após todo o transcurso do processo, da produção de provas, das audiências e inquirição de testemunhas, das perícias e provas, outras sobrevêm a sentença. Quem tem direito ganha, mas não leva, pois há necessidade de liquidação e, portanto, de novo processo. Liquidada a decisão, após mais uma exasperante perda de tempo e dinheiro, falta, ainda, a execução, com novas possibilidades de defesa e recursos processuais de toda ordem.
A Justiça de primeiro grau, em que mais se investem recursos materiais, tem sido mera etapa de passagem, na qual quase nada é definitivo porque de tudo se admite recurso.
Perde-se tempo e dinheiro, frustram-se direitos e expectativas. Despenca a credibilidade do Judiciário e debilita-se o Estado de Direito.
Há mais de dez anos debate-se uma reforma do Poder Judiciário no Congresso Nacional, sem êxito. Mesmo aprovada, ela não solucionará seus maiores problemas, pois a crise é de funcionalidade, e não da estrutura constitucional. Resolve-se basicamente por legislação infraconstitucional.
O Judiciário não pode ter mais utilidade para quem não tem direitos do que para quem os tem. Os juízes não estão mais dispostos a pagar o elevado preço que decorre do colapso de um sistema de baixa efetividade; sistema que não criaram e do qual são críticos agudos.
Os magistrados querem, por isso, propor soluções eficientes e úteis, desapegadas da cultura ritualística que transforma os processos judiciais -que deveriam ser meros instrumentos para a satisfação de direitos- em fins em si mesmos. Sua experiência de magistratura e sua atuação associativa estarão a serviço dessa causa, em favor da sociedade. E farão propostas para mudanças efetivas e ousadas, com a confiança de que o Legislativo possa, aprimorando-as, dar ao Judiciário reais condições para cumprir com efetividade sua missão constitucional.

Cláudio Baldino Maciel, 48, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.


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