São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Na contramão da educação a distância

JURANDIR SELL MACEDO


Num país desigual e imenso como o Brasil, a educação a distância é fundamental. Mas a Capes, de novo, escolheu o caminho errado

NO FINAL da década passada, o Laboratório de Ensino a Distância (LED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) colocou o Brasil entre os líderes mundiais dessa tecnologia. Naquela época, os custos de infraestrutura eram extremamente elevados.
Por meio de convênios com grandes empresas privadas e estatais, foi feito um intenso trabalho e muito conhecimento foi adquirido. Porém, devido à incompreensão do processo por parte de muitos professores e particularmente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o trabalho foi praticamente destruído.
Com o quase total desmanche do LED, diversos pesquisadores montaram pequenas instituições que ganharam destaque nacional e internacional. Hoje, videoconferências e transmissão de vídeos pela rede tornaram-se operações corriqueiras.
Caíram os custos da infraestrutura e aumentou a compreensão das diferenças didáticas entre aulas presenciais e a distância.
Graças aos poucos persistentes pesquisadores que permaneceram na UFSC, hoje, o atual Laboratório de Educação a Distância continua dominando essas tecnologias. Dez anos depois daquela experiência, a Capes acordou para a educação a distância e criou a Universidade Aberta do Brasil (UAB). A iniciativa por si só é louvável. Porém, a instituição carece da mínima compreensão sobre a direção das mudanças.
Hoje, a UAB tem um dos piores modelos de educação a distância do mundo. Estamos reproduzindo na internet os cursos por correspondência comuns no início do século passado, substituindo o livro, a mais antiga forma de educação a distância, por apostilas -o que não faz nenhum sentido.
O modelo da UAB é cartorial e vai de encontro ao princípio que norteia o desenvolvimento da educação a distância. Pode ser que assim o faça por falta de conhecimento de seus dirigentes ou por uma tentativa de contornar o conhecido corporativismo do meio universitário, distribuindo migalhas financeiras a muitos.
Segundo o modelo da UAB, diversas universidades brasileiras oferecem cursos de graduação e pós-graduação, tentando levar o modelo da sala de aula atual para a web. Só em administração e gestão, são hoje 168 cursos de bacharelado e especialização.
Acontece que a lógica da internet é inversa. Na educação a distância, não existe espaço para que todos vençam.
Nela, não cabem centenas de cursos, mas somente os melhores. Estes levam cada vez mais dinheiro, que lhes permite um aprimoramento constante, atraindo cada vez mais alunos e mais dinheiro. Um círculo virtuoso para as instituições vencedoras.
Nas escolas e universidades tradicionais, são necessários muitos professores, pois cada um deles atende um número limitado de alunos.
Entre esses professores, existem alguns excelentes e outros péssimos. Os melhores, eventualmente, recebem um pouco mais, mas todos ganham e têm espaço de trabalho. Bom para os maus professores. Azar dos alunos que são vítimas deles.
Na sala de aula atual, a qual a UAB tenta manter na educação a distância, não se consegue ganhos significativos de escala. Na boa educação a distância, um bom professor pode atender milhares de alunos. Dessa forma, vai faltar espaço para aqueles que não sabem ensinar.
Hoje, é possível, sem nenhum custo, assistir a aulas de mercados financeiros dadas pelo professor Robert Shiller por meio da Open Yale Courses. Acredito que se possa aprender muito mais nesse curso do que na sala de aula da maioria dos professores de finanças nos milhares de cursos do Brasil. E não se trata de um curso a distância, mas apenas da gravação das aulas presenciais.
Com as ferramentas amplamente disponíveis atualmente, é possível combinar aulas telepresenciais, material gravado, exercícios dirigidos e estrutura de monitoria, obtendo com isso resultados surpreendentes a custos muito menores do que no ensino convencional.
Tais vantagens farão com que, em pouco tempo, uma parte significativa das aulas tenha o tratamento dado a documentários de televisão.
Esses produtos são incorporados na educação presencial, o que melhora e aumenta a eficiência do ensino tradicional.
Muitos professores se tornarão monitores ou perderão os empregos, pois não são nem pesquisadores nem professores dignos do título. No lugar de ensinar suas profissões, poderão exercê-las, para o bem do país -e, assim, testar eles mesmos aquilo que ensinam.
Em um país desigual e imenso como o Brasil, a educação a distância é fundamental. Infelizmente, a Capes, pela segunda vez, escolheu o caminho errado.


JURANDIR SELL MACEDO é professor adjunto da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e pesquisador visitante na Universidade Livre de Bruxelas (ULB).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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