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TENDÊNCIAS/DEBATES
O atual nível de crescimento da economia norte-americana é sustentável?
NÃO
Transatlântico movido a palha
ROLAND VERAS SALDANHA JR. e PRISCILA AZZOLINI
Não passa despercebido o recente
aquecimento macroeconômico
nos EUA. Responsável por quase metade da renda adicional gerada no planeta
nos últimos dez anos (em valores nominais), esse país não se move nas águas
econômicas sem fazer tremerem todos
os oceanos e embarcações menores.
Entre julho e setembro deste ano, a
economia norte-americana cresceu a
uma taxa anualizada de 7,2%, velocidade bastante superior aos 3,3% efetivamente contabilizados em 2002.
Publicaram-se ainda, em dissecação,
os aumentos repentinos no consumo
(6.6%), nos investimentos produtivos
(11%), nos investimentos residenciais
(20%) e até nas exportações (8%) dos
EUA, conforme contabilizados neste último trimestre (taxas anualizadas). São
indicadores que, tomados isoladamente, chegam a extasiar, afinal pressagiam
mais comércio, atividade e emprego
num mundo que, via de regra, luta contra a ameaça de recessão.
Seria apressado, entretanto, projetar a
partir desses números trimestrais e atípicos uma benfazeja mudança nos rumos da economia mundial. De fato, a
primeira reação aos referidos números
deveria ser de desconfiança, inclusive
porque ainda são próximos os estragos
causados pela "débâcle" nos mercados
de ações de alta tecnologia pelos diversos escândalos corporativos, pelos ataques terroristas e pelas caras e pouco
proveitosas incursões militares norte-americanas no Oriente Médio.
Desta feita o ceticismo é saudável.
Como pode um transatlântico avariado singrar mares com tanta velocidade?
As máquinas e o combustível norte-americanos permitem depreender que,
a partir de agora, essa será sua velocidade de cruzeiro? Apesar de não serem
poucos os segredos do capitão Bush Jr. e
sua equipe, o destino imediato de sua
embarcação parece evidente, já que os
fracassos bélicos e a queda de popularidade exigem esse tipo de compensação
em ano pré-eleitoral.
Revertendo os esforços de seu predecessor, o atual presidente dos EUA reduziu drasticamente os impostos, aumentou os gastos públicos e facilitou o
crédito, em heróicas medidas de reativação econômica que redundaram em
déficits fiscal e em conta corrente estimados em 3,5% e 5% do PIB, respectivamente, para este ano. Em 2004, período eleitoral, espera-se que esses saldos
sejam ainda piores.
Relativamente à política monetária e
de crédito, novamente uma frouxidão
preocupante no hemisfério Norte. As
taxas de juros básicas nos EUA permanecem exibindo recordes de baixa e,
com o suporte do governo, os residentes
daquele país têm conseguido empréstimos com garantia hipotecária sob condições bastante facilitadas, inclusive para renegociação.
Para dar uma noção mais precisa, entre o primeiro e o segundo trimestres de
2003 os empréstimos domésticos não-financeiros nos EUA mais do que duplicaram, chegando a US$ 2,5 trilhões
(anualizados). Incluídos nesses dados,
vale destacar, os empréstimos do governo federal, que aumentaram 11 vezes,
chegando a US$ 888 bilhões.
Com estímulos dessa monta, o desempenho dos EUA deixa de surpreender. Afinal, as políticas de lassidão fiscal,
monetária e creditícia são conhecidos
remédios anti-recessivos desde a década de 1930, merecendo lembrança seu
progenitor, lorde Keynes.
O pai da macroeconomia, entretanto,
receitava alquimias similares às que
motivam esse pique da economia norte-americana como solução de curto prazo, horizonte de planejamento para o
qual engendrou sua teoria geral. Quando se passa a tratar de sustentabilidade
do processo de aquecimento no decorrer do tempo, questão de crescimento,
os problemas ganham complexidade
distinta. De fato, imaginar que essa performance recente possa se manter para
além de 2004 exigiria supor a razoabilidade de um endividamento interno e
externo nos EUA a taxas crescentes, senão explosivas.
Entendendo o abrupto reaquecimento da maior economia mundial como
efeito de soluções emergenciais e transitórias, com inafastável componente
eleitoreira; não soa plausível nenhum
grau de otimismo pela leitura das estatísticas apresentadas.
É de notar, não obstante, que historicamente os EUA têm mostrado habilidade em compartir os custos de suas
mazelas macroeconômicas com o resto
da sociedade mundial. Assim, chega a
ser assustador o cenário em que a farra
do crédito hipotecário e dos déficits gêmeos chegue a termo.
Certamente os americanos ficarão decepcionados em saber que seus imóveis
valem muito menos do que o mercado
artificialmente inflado faz sugerir. Resta
saber o que os não residentes na terra do
Tio Sam sofrerão quando a palha que
tem alimentado as fornalhas do grande
transatlântico acabar.
Roland Veras Saldanha Jr., mestre em economia de empresas pela FGV-SP, é professor do Departamento de Economia da PUC-SP e consultor
em direito e economia. Priscila Azzolini é economista da Quest Investimentos.
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