São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil e os direitos humanos

NAVI PILLAY


Como o Brasil está sob os holofotes, deveria aproveitar todas as oportunidades para defender mundialmente os direitos humanos

ESTOU VISITANDO o Brasil logo depois do anúncio de que o país vai sediar os Jogos Olímpicos de 2016, bem como a Copa do Mundo de 2014. Quero ressaltar que, enquanto está sob os holofotes do mundo, o Brasil deveria aproveitar todas as oportunidades para defender globalmente os direitos humanos que protege em casa.
A determinação do presidente Lula de ajudar a tirar muitos brasileiros da pobreza é algo que eu elogio e entendo -até porque eu, como ele, nasci em um ambiente marcado pela pobreza e pela discriminação.
Outros países já estão tentando imitar o compromisso do Brasil de igualar o nível de oportunidade entre os que têm todas as possibilidades de sucesso e aqueles não têm nenhuma.
Nos últimos anos, o Brasil foi elogiado por seus esforços no combate à pobreza e à desigualdade, bem como à fome e à discriminação. E o tratamento médico dado a pessoas vivendo com HIV/Aids tem sido exemplar.
O papel de liderança do Brasil foi reconhecido durante a Revisão Periódica Universal -uma avaliação regular da situação dos direitos humanos em todos os países, realizada pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.
Quando o Brasil foi analisado, outros países solicitaram mais informações sobre programas como o Fome Zero, o Bolsa Família e o ProUni.
Essas iniciativas têm sido eficazes no enfrentamento de desafios sociais e econômicos que o país compartilha com muitas outras nações ao redor do mundo e que têm um impacto direto na implementação dos direitos humanos fundamentais.
Durante minha visita, vou assinar um memorando de intenções que expandirá a cooperação entre o governo do Brasil e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
O memorando estabelecerá a base para um novo modelo de cooperação sobre os direitos humanos, que prevê uma parceria em entre o Brasil, meu escritório e outros países que pedem ajuda na implementação de recomendações de mecanismos de direitos humanos da ONU e na adoção de medidas que façam dos direitos humanos uma realidade em seus países.
Ele também apresenta várias oportunidades para o Brasil compartilhar a experiência, os conhecimentos e as práticas de elaboração de suas próprias tentativas de enfrentar os enormes desafios relacionados aos direitos humanos.
No entanto, outras ações para enfrentar os graves problemas de direitos humanos no país são necessárias. Fiquei impressionada quando, em resposta à crise econômica mundial, o Brasil expandiu o Bolsa Família para incluir mais 1,3 milhão de famílias.
Porém, com tantos afro-brasileiros, mulheres e grupos indígenas ainda vivendo na pobreza e sem acesso a serviços básicos, é imperativo que esse programa e outras medidas para reduzir a pobreza e a desigualdade incluam todos os brasileiros, sem nenhum tipo de distinção.
Da mesma forma, enquanto eu aplaudo o progresso na expansão do acesso à educação para grupos afetados pela discriminação, espero que isso se traduza em maiores oportunidades de emprego, maior participação nos assuntos públicos e igualdade de acesso à Justiça.
A falta de segurança que assola as favelas e prisões deve ser erradicada, mas sem comprometer os direitos humanos no processo.
Ainda muitas pessoas -em sua maioria afro-brasileiros jovens e pobres- se tornam vítimas de uma violência extrema cometida por criminosos ou por aqueles cujo emprego é prevenir crimes, e poucos autores desses crimes são levados à Justiça.
Além disso, muitos sofrem com condições desumanas e violentas no sistema prisional.
Eu confio que o foco do Brasil nos direitos humanos permanecerá inequívoco enquanto o país busca melhorar a segurança pública. Segurança e direitos humanos são indissociáveis, e um não pode ser alcançado sem o outro.
Com o tempo, eu aprendi que o que faz o verdadeiro campeão não são a aptidão física, a primazia social ou o poder econômico, mas objetivos claros, dignidade e trabalho em equipe.
Enquanto o Brasil sobe ao palco do mundo, estou confiante de que essas qualidades irão inspirar outras pessoas a participar da corrida pelos direitos humanos, pela não discriminação e pela justiça.


NAVANETHEM PILLAY , mestre e doutora em direito pela Universidade Harvard, é a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

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