São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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JUROS E DÍVIDA EM XEQUE

A divulgação do IPCA (índice do IBGE que mede a inflação incidente sobre o consumidor) de novembro completou uma das piores semanas para a economia brasileira desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Os pouco mais de 3% são a maior taxa mensal desde agosto de 1994. Intensificam-se pressões para que o Banco Central, na reunião agendada para 17 de dezembro, promova um choque de juros, isto é, eleve radicalmente a taxa básica (Selic), hoje fixada no patamar já asfixiante de 22% ao ano.
Há quem defenda a convocação para já de um encontro extraordinário do Comitê de Política Monetária a fim de majorar substancialmente os juros. Também volta a pressão sobre a equipe do presidente eleito para que promova um aumento relevante na meta de superávit fiscal (receitas dos setor público menos despesas, antes dos juros) para o ano que vem. Novamente, a política econômica do Brasil, para tomar uma expressão do boxe, foi lançada às cordas.
Toda a batalha há muito travada pelo governo nessa área se dá no terreno das "expectativas", palavra onipresente nos meios financeiros. Para além de seus efeitos diretos no controle da inflação e dos juros, os regimes monetário e fiscal do país estão voltados preponderantemente para a reconquista da confiança e, por extensão, do crédito dos agentes da finança global. Seu postulado é o de que, se o Brasil fizer a "lição de casa" (o que para alguns significa, no contexto atual, aumento drástico dos juros e do superávit fiscal), será recompensado pela afluência de dólares, pois terá reafirmado o seu compromisso com a estabilidade, ainda que à custa de um remédio amargo.
O que impressiona nessa visão de mundo é que ela ainda se baseia em uma idéia colocada em xeque pelas crises globais recentes, a de que os livres fluxos financeiros internacionais sempre sanam desequilíbrios de balanço de pagamentos desde que os "fundamentos" estejam ajustados.
Sem questionar a frágil consistência do enunciado -que nada mais é do que a tentativa de aplicar a contingências históricas, políticas e econômicas um modelo tomado das ciências naturais-, cabe lembrar alguns fatos: a disponibilidade de capitais para os mercados emergentes diminuiu sobremaneira após a crise nas Bolsas americanas; o Brasil tem de disputar financiamento internacional com os EUA, cujo enorme passivo externo está em franca expansão; e o Brasil também tem de disputar divisas financeiras com economias emergentes com melhores perspectivas de crescimento em 2003, como China, Índia, Rússia e México.
Há, portanto, uma chance não desprezível de que, mesmo realizando com louvor a "lição de casa" sugerida pela ortodoxia, o crédito externo privado ao Brasil não volte a aumentar o bastante para impedir uma nova crise no balanço de pagamentos no ano que vem. E vale lembrar que, para aplicar com fidelidade o que reza a cartilha ultraliberal, as autoridades brasileiras terão de piorar mais as já mirradas perspectivas de crescimento da economia, arriscando a empurrar o PIB para uma trajetória negativa, com impactos nefastos no emprego e na renda da população.
Como os prazos para o futuro governo serão bastante exíguos no que concerne à asfixia macroeconômica, é imprescindível que os assessores econômicos de Lula vão concebendo desde já uma alternativa para o caso de se configurar o pior cenário: a perenização do corte das linhas de crédito ao Brasil. Nessa hipótese extrema, mas não descartável, há quem preveja para o primeiro semestre de 2003 a exaustão das reservas internacionais do Banco Central.



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