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TENDÊNCIAS/DEBATES
Negociações e debates
JUAN PABLO LOHLÉ
Para o governo brasileiro, certa empresa faz dumping. Para o argentino, não. E isso é tudo. Simplesmente se defendem interesses
UMA DIFERENÇA comercial é
uma diferença comercial. Não
é uma guerra, não terminou
um romance, não explodiu o Mercosul. As diferenças comerciais se produzem entre países que, precisamente, comerciam. Quanto maior é o intercâmbio, maiores as possibilidades
de que se produzam diferenças.
Nestes últimos dias, surgiu na imprensa um intenso debate sobre o
chamado a consultas argentino na
OMC (Organização Mundial do Comércio) pela aplicação, do governo
brasileiro, de uma medida antidumping contra resinas PET (usada em
garrafas de refrigerante) exportadas
por uma empresa do meu país. E isso
é tudo.
Existem duas empresas que fabricam o mesmo produto. Uma acredita
que a outra está praticando dumping,
e a outra sustenta que não. As empresas recorrem aos governos para resolver a diferença, e estes negociam e tomam as medidas que consideram tecnicamente adequadas.
Meus longos anos na política exterior ensinaram-me algo essencial: em
uma negociação comercial, não existem ganhadores, perdedores ou empate. Não existem vítimas e vitimados. Existem interesses que devem
defender-se para chegar a acordos
com um resultado em que ninguém
perde", a resultados equilibrados. Vitimar-se não contribui para o desenvolvimento de uma relação nem a um
debate conducente.
O Mercosul é um projeto de integração política, produtiva e social que
tem objetivos estratégicos de desenvolvimento e inserção internacional.
Não vejo como o Mercosul poderia
explodir ou entrar em "guerra" por
uma diferença comercial.
Também não vejo como seria possível que um governo, neste caso, o
argentino, tomasse uma medida
"aproveitando a próxima cúpula de
presidentes do Mercosul". Com efeito, os presidentes se reúnem todos os
anos, e os chanceleres, a cada seis meses. Em que momento deveria tomar-se uma medida que não esteja próxima de uma cúpula, então? É evidente
que, com muita sorte, um governo só
pode tomar uma medida uns meses
antes ou uns meses depois de uma
cúpula presidencial, reunião do CMC
(Conselho do Mercado Comum do
Mercosul) ou do GMC (Grupo Mercado Comum).
Em outros casos, pior ainda, até se
tem especulado que a medida seria
eleitoral. Vejamos isso por escrito para ter uma idéia melhor do "erro": a
idéia é que o presidente Kirchner obterá mais votos porque iniciou um
painel na OMC devido a uma medida
antidumping contra resinas PET. Isso o apresentaria como "paladino da
indústria nacional"? Tratemos de
imaginar a situação inversa. Alguém
pode acreditar que um presidente
brasileiro obteria votos com uma medida desse tipo? Alguém pode imaginar um chefe de campanha dizendo a
seu presidente: "Inicie um painel na
OMC que isso lhe dará votos dentro
de um ano"?
A política exterior e a política interna dos países estão entrelaçadas. Naturalmente, a política exterior vincula-se com o modelo produtivo de um
país, com suas aspirações de inserção
internacional etc. Daí a pensar que
são a mesma coisa ou que se regem
pelo mesmo tipo de comportamento,
há um mundo de diferença.
Com isso quero dizer: não é mais
fácil pensar que os governos defendem suas estruturas produtivas do
que imaginar que dão início a um painel na OMC para obter votos dentro
de dez meses?
Com demasiada freqüência, tenho
lido analistas independentes que sustentam que a Argentina é protecionista e que o Brasil se curva ante "a
enfática defesa dos interesses do governo argentino", para colocá-lo de
um modo diplomático.
Claro que essa idéia, transmitida de
modo sistemático, não pretende elogiar a atitude do governo argentino.
Muito pelo contrário, trata-se de uma
mensagem de vítima sem crime, com
o claríssimo propósito de atacar o governo brasileiro. A "análise", então,
não é sobre como se decide uma
questão comercial. É uma crítica de
política interna.
Em síntese. O governo brasileiro
considera que a empresa Voridian faz
dumping. O governo argentino acredita que não. Isso é tudo. Não se destrói o Mercosul, não se boicota nenhuma reunião, não se obtém votos.
Simplesmente se defendem interesses. Isso é sabido por todos os analistas de boa-fé, as empresas envolvidas
e os funcionários dos nossos dois governos.
JUAN PABLO LOHLÉ, 58, advogado e diplomata, é o embaixador da República Argentina no Brasil.
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