São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Negociações e debates

JUAN PABLO LOHLÉ

Para o governo brasileiro, certa empresa faz dumping. Para o argentino, não. E isso é tudo. Simplesmente se defendem interesses

UMA DIFERENÇA comercial é uma diferença comercial. Não é uma guerra, não terminou um romance, não explodiu o Mercosul. As diferenças comerciais se produzem entre países que, precisamente, comerciam. Quanto maior é o intercâmbio, maiores as possibilidades de que se produzam diferenças.
Nestes últimos dias, surgiu na imprensa um intenso debate sobre o chamado a consultas argentino na OMC (Organização Mundial do Comércio) pela aplicação, do governo brasileiro, de uma medida antidumping contra resinas PET (usada em garrafas de refrigerante) exportadas por uma empresa do meu país. E isso é tudo.
Existem duas empresas que fabricam o mesmo produto. Uma acredita que a outra está praticando dumping, e a outra sustenta que não. As empresas recorrem aos governos para resolver a diferença, e estes negociam e tomam as medidas que consideram tecnicamente adequadas.
Meus longos anos na política exterior ensinaram-me algo essencial: em uma negociação comercial, não existem ganhadores, perdedores ou empate. Não existem vítimas e vitimados. Existem interesses que devem defender-se para chegar a acordos com um resultado em que ninguém perde", a resultados equilibrados. Vitimar-se não contribui para o desenvolvimento de uma relação nem a um debate conducente.
O Mercosul é um projeto de integração política, produtiva e social que tem objetivos estratégicos de desenvolvimento e inserção internacional. Não vejo como o Mercosul poderia explodir ou entrar em "guerra" por uma diferença comercial.
Também não vejo como seria possível que um governo, neste caso, o argentino, tomasse uma medida "aproveitando a próxima cúpula de presidentes do Mercosul". Com efeito, os presidentes se reúnem todos os anos, e os chanceleres, a cada seis meses. Em que momento deveria tomar-se uma medida que não esteja próxima de uma cúpula, então? É evidente que, com muita sorte, um governo só pode tomar uma medida uns meses antes ou uns meses depois de uma cúpula presidencial, reunião do CMC (Conselho do Mercado Comum do Mercosul) ou do GMC (Grupo Mercado Comum).
Em outros casos, pior ainda, até se tem especulado que a medida seria eleitoral. Vejamos isso por escrito para ter uma idéia melhor do "erro": a idéia é que o presidente Kirchner obterá mais votos porque iniciou um painel na OMC devido a uma medida antidumping contra resinas PET. Isso o apresentaria como "paladino da indústria nacional"? Tratemos de imaginar a situação inversa. Alguém pode acreditar que um presidente brasileiro obteria votos com uma medida desse tipo? Alguém pode imaginar um chefe de campanha dizendo a seu presidente: "Inicie um painel na OMC que isso lhe dará votos dentro de um ano"?
A política exterior e a política interna dos países estão entrelaçadas. Naturalmente, a política exterior vincula-se com o modelo produtivo de um país, com suas aspirações de inserção internacional etc. Daí a pensar que são a mesma coisa ou que se regem pelo mesmo tipo de comportamento, há um mundo de diferença.
Com isso quero dizer: não é mais fácil pensar que os governos defendem suas estruturas produtivas do que imaginar que dão início a um painel na OMC para obter votos dentro de dez meses?
Com demasiada freqüência, tenho lido analistas independentes que sustentam que a Argentina é protecionista e que o Brasil se curva ante "a enfática defesa dos interesses do governo argentino", para colocá-lo de um modo diplomático.
Claro que essa idéia, transmitida de modo sistemático, não pretende elogiar a atitude do governo argentino. Muito pelo contrário, trata-se de uma mensagem de vítima sem crime, com o claríssimo propósito de atacar o governo brasileiro. A "análise", então, não é sobre como se decide uma questão comercial. É uma crítica de política interna.
Em síntese. O governo brasileiro considera que a empresa Voridian faz dumping. O governo argentino acredita que não. Isso é tudo. Não se destrói o Mercosul, não se boicota nenhuma reunião, não se obtém votos. Simplesmente se defendem interesses. Isso é sabido por todos os analistas de boa-fé, as empresas envolvidas e os funcionários dos nossos dois governos.


JUAN PABLO LOHLÉ, 58, advogado e diplomata, é o embaixador da República Argentina no Brasil.

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