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Incerto e não sabido
Dados sobre homicídios ainda apresentam imperfeições; cabe ao Ministério da Justiça
criar uma base nacional
INFORMAÇÃO de qualidade é
condição necessária para
traçar políticas públicas eficazes. No setor de segurança
pública, revela-se crucial. Programas de sucesso para reduzir a
criminalidade, como em Nova
York, tiveram como ingrediente
fundamental o uso inteligente de
estatísticas para compor diagnósticos e orientar intervenções
da polícia. No Brasil, até mesmo
em seu Estado mais desenvolvido, toda iniciativa nessa direção
esbarra em dados precários.
A deficiência ficou patente,
mais uma vez, após a divulgação
do relatório "Mapa da Violência
dos Municípios Brasileiros
2008". Iniciativa dos ministérios
da Saúde e da Justiça, o estudo se
baseia nas estatísticas de mortalidade do Datasus (banco de dados do Sistema Único de Saúde).
Ali se reúnem informações das
prefeituras sobre mortes e suas
causas, seguindo padronização
contida na Classificação Estatística Internacional de Doenças
(CID-10). A fonte primária são
declarações de óbitos
Não existe outra base padronizada que permita comparações
entre Estados e com outros países. Mesmo tendo sido criada para orientar ações de saúde pública, essa base possibilitou ao "Mapa da Violência" fornecer indicações úteis sobre tendências criminais, como a redução de homicídios no país, que se verifica
desde 2003.
O levantamento não está imune a questionamentos, contudo,
como mostrou a Folha no domingo passado. Existe a suspeita
de que o número de homicídios
-46.653 em 2006- esteja subestimado, pois muitos outros
poderiam estar mascarados sob
um número anormalmente elevado de mortes classificadas nas
declarações de óbito sob "intenção indeterminada" (suicídios,
homicídios ou acidentes). Desde
1996, essa rubrica nunca ficou
abaixo de 8% das mortes por
causas externas.
Em alguns Estados a proporção alcança nível ainda mais
anômalo, como São Paulo, com
17,3% de casos indeterminados
em 2005. Na outra ponta estão
Acre, Alagoas e Distrito Federal,
abaixo de 1% -uma alarmante
dispersão de critérios no preenchimento das certidões de óbito.
No caso paulista, há um complicador adicional a erodir a confiabilidade dos dados: a parcela
de "intenção indeterminada"
entre as mortes por razões externas está crescendo. Em 1999,
atingia 6,4%; no ano seguinte,
mais que dobrou (13,2%), chegando a 17,3% seis anos depois.
Não há evidência de manipulação de dados, mesmo porque a
eventual distorção não alteraria
a tendência de queda dos homicídios no Estado. Sobram indícios, porém, de que tal volatilidade nas estatísticas de saúde as
tornam de valia reduzida para
planejar o combate ao crime.
As estatísticas criminais produzidas pelas secretarias de segurança pública são ainda mais
limitadas que as do Datasus. Cabe ao Ministério da Justiça priorizar a criação de um banco de
dados similar, alimentado pelos
governos estaduais. Ao lado da
repressão ao tráfico de armas e
drogas nas fronteiras, permanece uma atribuição do governo federal ainda não efetivada.
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