São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2008

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Incerto e não sabido

Dados sobre homicídios ainda apresentam imperfeições; cabe ao Ministério da Justiça criar uma base nacional

INFORMAÇÃO de qualidade é condição necessária para traçar políticas públicas eficazes. No setor de segurança pública, revela-se crucial. Programas de sucesso para reduzir a criminalidade, como em Nova York, tiveram como ingrediente fundamental o uso inteligente de estatísticas para compor diagnósticos e orientar intervenções da polícia. No Brasil, até mesmo em seu Estado mais desenvolvido, toda iniciativa nessa direção esbarra em dados precários.
A deficiência ficou patente, mais uma vez, após a divulgação do relatório "Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008". Iniciativa dos ministérios da Saúde e da Justiça, o estudo se baseia nas estatísticas de mortalidade do Datasus (banco de dados do Sistema Único de Saúde). Ali se reúnem informações das prefeituras sobre mortes e suas causas, seguindo padronização contida na Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10). A fonte primária são declarações de óbitos
Não existe outra base padronizada que permita comparações entre Estados e com outros países. Mesmo tendo sido criada para orientar ações de saúde pública, essa base possibilitou ao "Mapa da Violência" fornecer indicações úteis sobre tendências criminais, como a redução de homicídios no país, que se verifica desde 2003.
O levantamento não está imune a questionamentos, contudo, como mostrou a Folha no domingo passado. Existe a suspeita de que o número de homicídios -46.653 em 2006- esteja subestimado, pois muitos outros poderiam estar mascarados sob um número anormalmente elevado de mortes classificadas nas declarações de óbito sob "intenção indeterminada" (suicídios, homicídios ou acidentes). Desde 1996, essa rubrica nunca ficou abaixo de 8% das mortes por causas externas.
Em alguns Estados a proporção alcança nível ainda mais anômalo, como São Paulo, com 17,3% de casos indeterminados em 2005. Na outra ponta estão Acre, Alagoas e Distrito Federal, abaixo de 1% -uma alarmante dispersão de critérios no preenchimento das certidões de óbito.
No caso paulista, há um complicador adicional a erodir a confiabilidade dos dados: a parcela de "intenção indeterminada" entre as mortes por razões externas está crescendo. Em 1999, atingia 6,4%; no ano seguinte, mais que dobrou (13,2%), chegando a 17,3% seis anos depois.
Não há evidência de manipulação de dados, mesmo porque a eventual distorção não alteraria a tendência de queda dos homicídios no Estado. Sobram indícios, porém, de que tal volatilidade nas estatísticas de saúde as tornam de valia reduzida para planejar o combate ao crime.
As estatísticas criminais produzidas pelas secretarias de segurança pública são ainda mais limitadas que as do Datasus. Cabe ao Ministério da Justiça priorizar a criação de um banco de dados similar, alimentado pelos governos estaduais. Ao lado da repressão ao tráfico de armas e drogas nas fronteiras, permanece uma atribuição do governo federal ainda não efetivada.


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