São Paulo, Terça-feira, 09 de Fevereiro de 1999
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Enfim, o fim do Iphan?



Um Iphan modernizado, mantendo suas atuais prerrogativas, não impediria a atuação do Monumenta-BID
CARLOS LEMOS

Há 62 anos, nos dias iniciais do Estado Novo, Getúlio Vargas assinou o decreto lei nº 25/37, criando a primeira entidade governamental destinada a proteger o patrimônio histórico e artístico nacional. Nasceu assim, naqueles dias, o Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), vinculado ao Ministério da Educação, então comandado pelo político mineiro Gustavo Capanema.
Um intelectual conterrâneo do ministro, Rodrigo Mello Franco de Andrade, foi chamado para implementar o novo órgão, seguindo diretrizes conceituais estabelecidas pelo paulista Mário de Andrade. Várias personalidades ali se juntaram, formando uma equipe pioneira destinada a salvar e conservar o nosso patrimônio cultural, ainda mal identificado. Entre eles, Carlos Drummond de Andrade e Lúcio Costa, o arquiteto que praticamente centralizava as decisões relativas à importância e ao significado dos bens culturais de valor histórico ou artístico submetidos à apreciação da entidade.
Sob a longa gestão de Rodrigo, o Sphan, hoje Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), cresceu e fincou raízes profundas no panorama cultural brasileiro, tornando-se um paradigma de seriedade e correção no desempenho das suas atribuições. Em toda a sua existência, jamais foi levantada alguma dúvida sobre sua atuação.
Essa repartição exemplar, no entanto, envelheceu curtindo permanente pobreza, responsável pela lentidão de suas ações e trabalhos de restauração (o provimento de verbas, como é sabido, sempre esteve aquém das solicitações mínimas). Mas envelheceu com dignidade, mesmo carente de comandos carismáticos como o de Rodrigo, falecido em 1969. Envelheceu falto dos recursos da modernidade da informação.
Sem um comando seguro centralizador, suas superintendências regionais mais parecem ilhas de atuação personalizada. A figura de Lúcio Costa está fazendo falta; e as demais deficiências operacionais apontam ter chegada a hora da reformulação modernizadora da veneranda autarquia. Mas, no fundo, seus problemas são administrativos, vigendo ainda toda a conceituação emanada das recomendações de Mário de Andrade.
Agora, o programa Monumenta-BID veio alvoroçar todo o quadro ligado ao patrimônio arquitetônico e ambiental. Há muito dinheiro verde; e todos os neopreservacionistas estão diligentemente ativos, procurando limpar seus horizontes de atuação dos entraves ligados às conceituações e teorias que norteiam a preservação dos bens da cultura material, sobretudo das áreas envoltórias de monumentos. É nesse instante que o Iphan começa a atrapalhar com suas pedras no caminho, que Drummond ajudou a espalhar.
A estratégia é reduzir o poder do nosso instituto ao mínimo. Ele ficaria com as conceituações e os tombamentos, pairando na estratosfera, enquanto governos estaduais, municipais, empresas, ONGs, fundações ou cooperativas ficariam, com os pés no chão e os bolsos cheios, encarregados de obras e do usufruto dos bens em geral.
A nosso ver, um Iphan modernizado, mantendo todas as suas atuais prerrogativas, não impediria em nada a atuação do tal Monumenta-BID. Só ajudaria. Funcionaria como uma agência, como a ANP (Agência Nacional do Petróleo), a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) ou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Chega a ser uma irresponsabilidade deixar, por exemplo, nas mãos de certos prefeitos despreparados ou argentários o poder de gerir monumentos e suas áreas envoltórias. Embora a ecologia, a preservação de recursos naturais, a defesa da mata atlântica e o culto respeitoso ao patrimônio histórico estejam em alta moda, o que se vê atrás dos bastidores é o desrespeito a tudo isso quando se vislumbra uma oportunidade de se ganhar dinheiro.
A Fundação Getúlio Vargas, que recebeu R$ 143.456 para executar o termo de referência destinado a enquadrar o Iphan nas conveniências do Monumenta-BID, deveria ter sido mais sensível à autoridade e à importância que aquela repartição manteve a duras penas por mais de 60 anos. Estaremos sempre torcendo para que a resposta à pergunta do título seja um sonoro não.


Carlos Alberto Cerqueira Lemos, 73, arquiteto, é professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo).




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