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Grande figura humana
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - O único defeito que
um cão pode ter é o dono. Obra-prima
da natureza em matéria de afeto e
lealdade, independentemente de raças
e climas, o cão só pode ser estragado
quando de propósito o estragam.
É o que vem acontecendo com determinadas experiências genéticas que
buscam fazer do cão uma arma, mais
de exibição do que de guarda pessoal.
Em princípio, qualquer cão, mesmo
os pequeninos que são, até certo ponto, ridículos objetos de adorno, espantam bandidos e evitam assaltos. É curiosa a psicologia do criminoso: ele
não teme a metralhadora do policial,
a arma do dono da casa. Mas quando
se depara com um cão, treme nos alicerces. Não dá para entender, mas é
assim.
Daí a inutilidade de criar cães especificamente para guarda. É um desperdício da natureza. E crime maior é
criá-lo, geneticamente ou experimentalmente, para o ataque.
Não sei não, mas acredito que a humanidade será mais feliz no dia em
que cada lar, cada família, tiverem
um cão perto.
Ele impõe uma rotina de servidão e
alerta, uma solidariedade cuja única
recompensa é saber que alguém nos
ama, sejamos bons ou maus, dignos ou
indignos.
Na outra ponta da corda, nada mais
estúpido do que criar ou ensinar esses
animais a serem sanguinários. Evidente que eles aprendem, como qualquer homem aprende o que não presta. É mais fácil ensinar o vício do que
a virtude -esse conceito banal é antigo, veio dos gregos anteriores a Sócrates.
Com licença de um ex-ministro que
classificou sua cadela de grande figura
humana, o episódio da vira-lata que
salvou uma criança da fúria de um
cão corrompido pelo dono deve envergonhar a todos nós, que nos julgamos
reis da criação. Grande vantagem ser
rei de pulgas e baratas.
Um cão, em seu estado natural, é
bem melhor do que qualquer ser humano. Ele sabe que o milagre biológico da vida só tem sentido quando as
condições que o fazem viver têm um
compromisso maior do que a vida, que
é o amor.
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