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JOSÉ SARNEY
Silêncio dos sinos
Em Brasília, alterno meu
dever de católico praticante
dividindo as minhas missas
dominicais entre a capela do
cardeal dom José Freire Falcão
e a São Pedro de Alcântara,
onde é pároco devotado o padre Givanildo Ferreira.
No último domingo fiquei
estarrecido com a notícia que
nos deram de que o Ibram
(Instituto do Meio Ambiente e
dos Recursos Hídricos) estava
abrindo uma ação para parar
os pequenos e modestos sinos
da igreja.
Um morador da área, desses que devem ter horror ao
canto dos passarinhos, pediu,
com base na lei dos ruídos, a
punição aos sinos de São Pedro de Alcântara.
As badaladas no interior de
sua casa tinham um volume
entre 46 e 62 decibéis. A medição externa havia comprovado que os toques não perturbavam ninguém.
Nosso padre Givanildo está
em pânico com o calar dos sinos, e todos nós seus paroquianos. É a burrice de um órgão que, em vez de combater
as violentas destruições do
ambiente, a extinção das nascentes, faz o menor: investir
contra os sinos, de sons milenares da civilização ocidental.
Som de sino não é ruído, é
benção, é fé.
Como poderemos viver
num mundo em que os sinos
não dobrarão mais em finados
nem repicarão nas aleluias?
Penso e choro na saudade dos
sinos da minha infância,
quando só eles davam as notícias das pessoas que morriam,
das missas que começavam,
das ladainhas que eram entoadas em louvor aos santos
de nossa devoção.
Os muçulmanos usam nas
suas mesquitas o canto dos
muezins, chamando para as
preces nas horas de oração.
No Maranhão, na igreja de
São Pantaleão, onde passam
os enterros, os defuntos são
lembrados pelos dobres tristes
e os dias festivos, pelas badaladas de alegria. Isto fez nascer um ditado popular: "Fulano é como os sinos de São Pantaleão, tanto chora quanto ri".
Tenho um amigo que, morando em Paris, ao lado da catedral de Notre Dame, convidou-me para ir a sua casa só
para ouvirmos os carrilhões
que anunciam as matinas e as
vésperas.
O sino foi adotado pela igreja no século 5º para anunciar
as quatro horas canônicas do
Divino Ofício: hora 3ª, hora 6ª,
do meio-dia, hora 9ª, das 15h,
quando Jesus deu o último
suspiro, e as vésperas, das
18h, da Ave-Maria.
Como viver num mundo
dos sons livres das discotecas,
dos carros de arrebentar ouvidos, e a solidão dos sinos calados, cujo silêncio dobra pela
defunta humanidade. Lembro
Fernando Pessoa: "Ó sino da
minha aldeia / Dolente na tarde calma / Cada tua badalada
/ Soa dentro da minha alma".
São Pedro de Alcântara,
perdoai o Ibram. Ele não sabe
o que faz.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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