São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Imposto sobre Grandes Fortunas

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O candidato Luiz Inácio Lula da Silva introduziu, no delineamento de seu programa de governo, a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas, objetivando, de um lado, compensar a perda de arrecadação decorrente da redução, que pretende adotar, nas alíquotas dos impostos indiretos da e simplificação do sistema e, de outro, distribuir a renda dos mais ricos para os mais pobres, por meio da tributação e do Estado.
Tendo sido o tributo hospedado pela Constituição de 1988, jamais foi normatizado, nada obstante algumas tentativas, inclusive a mais consistente patrocinada pelo então senador Fernando Henrique, com relatoria do também então senador Roberto Campos.
O projeto não foi adiante, visto que são inúmeras as dificuldades de ordem econômica para implantar esse imposto, sobre não promover receita apreciável para o erário e produzir distorções sociais maiores do que aquelas que pretende corrigir.
Não é sem razão que a maioria dos países não o adotam, tendo, na França do governo socialista de Mitterrand, gerado pequena arrecadação.
As crises recentes dos países latino-americanos, capitaneadas pelo "default" argentino, demonstraram como investidores e poupadores, em mercado instável, se protegem contra a insegurança das políticas monetárias e cambiais ou dos sistemas jurídicos expropriatórios. A universalização dos investimentos, a globalização da economia e a livre circulação de ativos financeiros, se, de um lado, ofertam melhores possibilidades de velocidade nas decisões em busca de países com políticas tributárias e econômicas inteligentes, de outro lado acarretam, para aquelas nações amarradas em estruturas administrativas esclerosadas e com pouca capacidade competitiva, a fuga desses fornecedores de recursos.
Toda a economia discriminatória, que carrega excessivo peso de uma administração pouco ágil, tem reduzido potencial de atração de investimentos nacionais e estrangeiros.
Não sem razão, pode-se dizer que, no século 21, as políticas tributárias coerentes determinarão a maior ou menor atração dos investimentos, não sendo mais o tamanho do mercado o único denominador das potencialidade de crescimento. Em palestra que proferi na Universidade de Coimbra, na segunda quinzena de julho, realcei este aspecto, de resto na linha de outros conferencistas, que também o apóiam (Mário Soares, Canotilho, Manuel Porto, Adriano Moreira etc.).


Ou o imposto incidirá sobre os instrumentos de trabalho e atravancará a economia, ou não incidirá e oprimirá a classe média


Ora, o Imposto sobre Grandes Fortunas afasta investidores. A alguém que já teve toda a espécie de tributação sobre seu trabalho, propriedade ou circulação de bens e de dinheiro, não agrada saber que aquilo que "sobrou" da voracidade fiscal para sustentar esclerosadas estruturas de poder ainda receberá uma tributação adicional, pelo simples fato de existir. A tendência é procurar países com políticas que não tributem as "sobras" a título de fazer redistribuição de riquezas, através do próprio Estado.
Em 502 anos de história do Brasil, o Estado foi sempre um péssimo distribuidor de riquezas e um admirável sustentáculo para os detentores do poder (burocratas e políticos), como demonstrei em meu livro "A Nova Classe Ociosa" (Ed. Forense, 1987).
Mais do que isso, um imposto com esse perfil terminará incidindo sobre a classe média.
Os grandes empresários, controladores de grandes empreendimentos, não conseguirão retirar deles, sem fragilizá-los, os recursos para pagar um imposto sobre seu patrimônio. Esta é a razão pela qual, no projeto do senador Fernando Henrique, a posse de instrumentos de trabalho (escritórios, empresas, consultórios etc.) não sofreria nenhuma incidência, para não prejudicar o fluxo da economia.
Se esse patrimônio ficar de fora, a parcela da classe média que recebe remuneração mais expressiva terminará por pagar, proporcionalmente, maior tributo, mesmo que muito menos rica que os detentores de empresas. Em outras palavras, ou o imposto incidirá sobre os instrumentos de trabalho e atravancará a economia, ou não incidirá e oprimirá a classe média.
Por essa razão, sobre afugentar investimentos e poupança, o tributo pode ser um ponto de atrito e de injustiça tributária. Não se deve esquecer, ainda, que o artigo 5º, inciso XV, da Constituição permite a qualquer pessoa que tenha pago corretamente o imposto sobre a renda transferir esses recursos para o exterior; dispositivo este que, por ser cláusula pétrea, é inalterável. E, conforme o nível da pressão tributária, pode ela própria, inclusive, mudar seu domicílio, deixando de ser residente no país.
Por fim, é de lembrar que "grande fortuna" é mais do que "fortuna". E "fortuna" é mais do que "riqueza". Se o imposto incidir apenas sobre "grandes fortunas", serão poucos os contribuintes no país, visto que, entre as 500 maiores fortunas mundiais, o Brasil quase não tem representantes.


Ives Gandra da Silva Martins, 67, advogado tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.



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