São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS / DEBATES

Oito jeitos de mudar o mundo

FREI BETTO

De hoje -aniversário da morte de Betinho- a 15 de agosto haverá, no país, uma grande mobilização em torno da Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade. A motivação é despertar gestos de pessoas e instituições que façam multiplicar exemplos de cidadania e solidariedade.
Qualquer pessoa ou instituição -movimento social, denominação religiosa, ONG, escola, empresa, associação etc.- pode e deve participar da semana, recriando-a no local onde se insere. Basta promover algo que reforce a cidadania e a solidariedade: mesas-redondas, campanhas, palestras, mutirão que beneficie, sem assistencialismo, a população de baixa renda.
A semana estará centrada nas Metas do Milênio, aprovadas por 191 países da ONU em 2000. Todos, inclusive o Brasil, comprometeram-se a cumprir os oito objetivos até 2015: 1) acabar com a fome e a miséria; 2) dar educação básica de qualidade para todos; 3) promover a igualdade entre sexos e a valorização da mulher; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde das gestantes; 6) combater a Aids, a malária e outras doenças; 7) promover a qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente; 8) e todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.


Queixar-se é fácil e reclamar não é difícil. O desafio, porém, é agir, organizar, conscientizar, transformar

Não há quem não possa fazer um gesto na direção desses oito objetivos: debater em sala de aula as causas da pobreza e os entraves à melhor distribuição de renda; introduzir na escola educação nutricional e o programa "Jovem Voluntário, Escola Solidária"; promover painel sobre Chico Mendes, exposição sobre os direitos dos povos indígenas ou ações de combate ao trabalho e à prostituição infantis; participar do Fome Zero ou organizar uma horta comunitária; lutar pela melhoria da educação, do acesso a medicamentos seguros e baratos ou abrir um curso de alfabetização de adultos; denunciar o preconceito contra homossexuais e o uso da mulher no estímulo ao consumismo; fortalecer a Pastoral da Criança e discutir a relação entre explosão demográfica e crescimento econômico com desenvolvimento social; conscientizar sobre os riscos da Aids, as causas da malária e o aumento de doenças decorrentes do desequilíbrio ecológico; atuar na implantação da reforma agrária, visitar e apoiar acampamentos e assentamentos rurais e pesquisar o que é desenvolvimento sustentável etc.
A Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade não é uma iniciativa do governo, embora conte com o seu apoio e participação. É uma proposta da sociedade civil, visando mobilizar a nação em torno de ações concretas que nos permitam construir o "outro mundo possível". E priorizar, em pleno neoliberalismo que assola o planeta, valores antagônicos ao individualismo e à competitividade, como o são a cidadania e a solidariedade.
A pergunta central que a semana pretende levantar é: o que estamos fazendo para mudar o mundo? O que faz você, a sua escola, a sua comunidade religiosa, o seu movimento social, a sua empresa? Queixar-se é fácil e reclamar não é difícil. O desafio, porém, é agir, organizar, conscientizar, transformar.
O filme "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, tem uma cena em que Ernesto Guevara decide, na noite de seu aniversário, mergulhar no rio que o separava da comunidade de hansenianos. Naquele momento, Che optou pela margem oposta -a da cidadania e da solidariedade. Não ficou na margem em que nascera e fora criado, cercado de confortos e ilusões, nem se reteve "na terceira margem do rio", aquela dos que se isolam em suas convicções sectárias e jamais completam a travessia.
É essa a opção que a semana quer incentivar. Porque nós podemos mudar o Brasil e o mundo. Basta passar das intenções às ações.

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 59, frade dominicano, escritor, é assessor especial da Presidência da República e autor de, entre outras obras, "Gosto de Uva" (ed. Garamond).

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