São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Saudosismo e realidade

GUILHERME GOMES DIAS



Temos administrado restrições orçamentárias que têm atingido mais intensamente a área de infra-estrutura

Nos debates que antecedem a eleição presidencial, tenho ouvido, não poucas vezes, candidatos afirmarem que faltaria ao governo "visão estratégica" ou um "plano de desenvolvimento para o país". Segundo essa avaliação, a atividade de planejamento estaria subordinada à administração de problemas macroeconômicos de curto prazo, esta sim hegemônica do ponto de vista da política econômica.
O que mais me chamou a atenção foram as comparações que esses mesmos críticos estabelecem. Há candidato que cita o período do regime militar como exemplo de prevalência da visão estratégica e do planejamento como mecanismo de promoção governamental do desenvolvimento.
De fato, já há farta literatura econômica e política sobre os resultados positivos e os fracassos, os benefícios e os custos, as virtudes e os pecados do planejamento e da política econômica nos governos Médici e Geisel, que implantaram os chamados PNDs (Planos Nacionais de Desenvolvimento). Sobre esse ponto, não pretendo ser redundante.
Entretanto quero destacar alguns fatores fundamentais que condicionam e exigem novas formas e novos conteúdos para o planejamento governamental. São três, a saber: o arcabouço constitucional e legal pós 1988, uma sociedade democrática e organizada e uma economia cada vez mais competitiva e integrada no contexto internacional.
Antes da Constituição de 1988, os planos eram fruto exclusivo da vontade do Executivo. Não somente as prioridades como também as fontes de recursos eram mobilizadas unicamente por decisões do Executivo. As principais decisões quanto à alocação de recursos públicos nem sequer eram registradas no Orçamento da União (naquela época, realmente uma peça de ficção), pois eram executadas por meio de empresas estatais, fundos diversos e o chamado "Orçamento Monetário".
Para aqueles de pouca memória, o Orçamento Monetário constituía-se num "cheque em branco" para o governo gastar, via manejo de contas do Banco Central e do Banco do Brasil.
Será que alguém tem saudade do tempo em que os recursos públicos eram administrados com total falta de controle do Congresso Nacional e transparência para a sociedade?
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso resgatou e reestruturou o planejamento em novas bases, compatíveis com uma sociedade plural e aberta, mas também adequadas à realidade e à transparência do processo orçamentário. O modelo atual não tolera "contas em aberto" ou "esqueletos", que se transformam, mais tarde, em dívida pública.
O planejamento hoje é expresso no Plano Plurianual 2000/2003 (PPA), conhecido como Avança Brasil. Trata-se de uma lei, debatida e aprovada pelo Congresso Nacional, que engloba todas as ações de governo: prestação de serviços, atividades de manutenção da máquina administrativa e os investimentos, na área social e de infra-estrutura.
O plano incorpora uma inovadora forma de pensar o Brasil, através do Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, que proporciona uma visão integrada do país, combinando aspectos econômicos, sociais, ambientais e regionais. Esse estudo serviu de referência, inclusive, para os projetos da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul, IIRSA, financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras agências de fomento da região.
É importante ressaltar que os Orçamentos anuais refletem perfeitamente as diretrizes do PPA, diferentemente do que ocorria no passado. Não há gasto no Orçamento que não tenha previsão no PPA. E cada programa tem a sua meta, o seu gerente. Relatórios periódicos de avaliação de desempenho são encaminhados ao presidente da República e ao Congresso Nacional. E os dados estão disponíveis na internet.
Esse sistema de planejamento foi implantado a partir do longo e gradual processo de ordenamento das finanças públicas brasileiras, iniciado em 1986, com a criação da Secretaria do Tesouro Nacional. E hoje seu marco principal é a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como se diz no jargão técnico, o Orçamento é uma "lei de meios" para atingir metas de governo. Portanto, desconhecer a limitação dos meios colocados à disposição do governo pela sociedade e bradar contra a suposta primazia de uma imaginária "ditadura contábil" é ignorar a realidade.
Definitivamente, não é verdade que o Avança Brasil tenha fracassado, como quer editorial da Folha publicado em 3/ 9 ("Marcha Lenta", pág. A2). Os relatório de avaliação do PPA dos exercícios de 2000 e 2001 mostram que a execução das metas previstas no plano alcançou percentuais de 92,6% e 93,4%, respectivamente. Na área de desenvolvimento social, o percentual de execução das metas é de 93,36%, em 2000, e de 91,73%, em 2001. Na área de infra-estrutura econômica, 66,43%, em 2000, e 60,87% em 2001.
É verdade que, nos últimos anos, temos administrado severas restrições orçamentárias, que têm atingido mais intensamente a área de infra-estrutura. Mas partir dessa constatação para decretar o fracasso do Avança Brasil e do modelo de planejamento revela, no mínimo, falta de informação.
Sem dúvida, há muito a ser feito pela melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Pelo aproveitamento do potencial de desenvolvimento do Brasil. Isto requer trabalho, método, persistência, negociação, visão estratégica, compromisso com a realidade e a transparência.
Não me parece, entretanto, que as soluções para esses desafios estejam em algum lugar do passado.


Guilherme Gomes Dias, 42, economista, é ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão.


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