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TENDÊNCIAS/DEBATES
Saudosismo e realidade
GUILHERME GOMES DIAS
Temos administrado restrições orçamentárias que têm atingido mais intensamente a área de infra-estrutura
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Nos debates que antecedem a
eleição presidencial, tenho ouvido,
não poucas vezes, candidatos afirmarem que faltaria ao governo "visão estratégica" ou um "plano de desenvolvimento para o país". Segundo essa avaliação, a atividade de planejamento estaria subordinada à administração de
problemas macroeconômicos de curto
prazo, esta sim hegemônica do ponto de
vista da política econômica.
O que mais me chamou a atenção foram as comparações que esses mesmos
críticos estabelecem. Há candidato que
cita o período do regime militar como
exemplo de prevalência da visão estratégica e do planejamento como mecanismo de promoção governamental do
desenvolvimento.
De fato, já há farta literatura econômica e política sobre os resultados positivos e os fracassos, os benefícios e os custos, as virtudes e os pecados do planejamento e da política econômica nos governos Médici e Geisel, que implantaram os chamados PNDs (Planos Nacionais de Desenvolvimento). Sobre esse
ponto, não pretendo ser redundante.
Entretanto quero destacar alguns fatores fundamentais que condicionam e
exigem novas formas e novos conteúdos para o planejamento governamental. São três, a saber: o arcabouço constitucional e legal pós 1988, uma sociedade
democrática e organizada e uma economia cada vez mais competitiva e integrada no contexto internacional.
Antes da Constituição de 1988, os planos eram fruto exclusivo da vontade do
Executivo. Não somente as prioridades
como também as fontes de recursos
eram mobilizadas unicamente por decisões do Executivo. As principais decisões quanto à alocação de recursos públicos nem sequer eram registradas no
Orçamento da União (naquela época,
realmente uma peça de ficção), pois
eram executadas por meio de empresas
estatais, fundos diversos e o chamado
"Orçamento Monetário".
Para aqueles de pouca memória, o Orçamento Monetário constituía-se num
"cheque em branco" para o governo
gastar, via manejo de contas do Banco
Central e do Banco do Brasil.
Será que alguém tem saudade do tempo em que os recursos públicos eram
administrados com total falta de controle do Congresso Nacional e transparência para a sociedade?
O governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso resgatou e reestruturou o planejamento em novas bases,
compatíveis com uma sociedade plural
e aberta, mas também adequadas à realidade e à transparência do processo orçamentário. O modelo atual não tolera
"contas em aberto" ou "esqueletos",
que se transformam, mais tarde, em dívida pública.
O planejamento hoje é expresso no
Plano Plurianual 2000/2003 (PPA), conhecido como Avança Brasil. Trata-se
de uma lei, debatida e aprovada pelo
Congresso Nacional, que engloba todas
as ações de governo: prestação de serviços, atividades de manutenção da máquina administrativa e os investimentos, na área social e de infra-estrutura.
O plano incorpora uma inovadora
forma de pensar o Brasil, através do Estudo dos Eixos Nacionais de Integração
e Desenvolvimento, que proporciona
uma visão integrada do país, combinando aspectos econômicos, sociais,
ambientais e regionais. Esse estudo serviu de referência, inclusive, para os projetos da Iniciativa para a Integração da
Infra-estrutura Regional da América do
Sul, IIRSA, financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras agências de fomento da região.
É importante ressaltar que os Orçamentos anuais refletem perfeitamente
as diretrizes do PPA, diferentemente do
que ocorria no passado. Não há gasto
no Orçamento que não tenha previsão
no PPA. E cada programa tem a sua meta, o seu gerente. Relatórios periódicos
de avaliação de desempenho são encaminhados ao presidente da República e
ao Congresso Nacional. E os dados estão disponíveis na internet.
Esse sistema de planejamento foi implantado a partir do longo e gradual
processo de ordenamento das finanças
públicas brasileiras, iniciado em 1986,
com a criação da Secretaria do Tesouro
Nacional. E hoje seu marco principal é a
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como se diz no jargão técnico, o Orçamento é uma "lei de meios" para atingir
metas de governo. Portanto, desconhecer a limitação dos meios colocados à
disposição do governo pela sociedade e
bradar contra a suposta primazia de
uma imaginária "ditadura contábil" é
ignorar a realidade.
Definitivamente, não é verdade que o
Avança Brasil tenha fracassado, como
quer editorial da Folha publicado em 3/
9 ("Marcha Lenta", pág. A2). Os relatório de avaliação do PPA dos exercícios
de 2000 e 2001 mostram que a execução
das metas previstas no plano alcançou
percentuais de 92,6% e 93,4%, respectivamente. Na área de desenvolvimento
social, o percentual de execução das metas é de 93,36%, em 2000, e de 91,73%,
em 2001. Na área de infra-estrutura econômica, 66,43%, em 2000, e 60,87% em
2001.
É verdade que, nos últimos anos, temos administrado severas restrições orçamentárias, que têm atingido mais intensamente a área de infra-estrutura.
Mas partir dessa constatação para decretar o fracasso do Avança Brasil e do
modelo de planejamento revela, no mínimo, falta de informação.
Sem dúvida, há muito a ser feito pela
melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Pelo aproveitamento do potencial de desenvolvimento do Brasil. Isto
requer trabalho, método, persistência,
negociação, visão estratégica, compromisso com a realidade e a transparência.
Não me parece, entretanto, que as soluções para esses desafios estejam em
algum lugar do passado.
Guilherme Gomes Dias, 42, economista, é ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão.
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