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São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Os dois obstáculos ao crescimento

Uns dizem que o Brasil está às portas do crescimento econômico com inclusão social. Outros tratam a fórmula para começar a crescer como pedra filosofal misteriosa e perdida. Nem uns nem outros têm razão. O que precisamos fazer em curtíssimo prazo está claro embora não seja agradável. Dois obstáculos bloqueiam a retomada do crescimento hoje.
O primeiro problema é a dívida pública interna. O Brasil faz tremendo sacrifício fiscal, que o obriga a política pró-cíclica. Embora apazigúe por enquanto os mercados financeiros, o sacrifício continuará a ser insuficiente para reverter a dinâmica da dívida. Nosso enorme superávit fiscal paga apenas metade dos juros da dívida. Só há duas maneiras de parar a degeneração: superávit fiscal grande demais para ser praticável ou enfrentamento dos credores até o limite do "default". Com o risco inevitável de que se tenha de transpor esse limite.
Para poder torcer os braços dos credores, levando-os a aceitar juros mais baixos e prazos mais longos, o governo precisa aumentar seu poder de barganha. Para isso, convém mobilizar, mesmo compulsoriamente, poupança de longo prazo para investimento de longo prazo. E reconciliar, por meio de simplificação tributária mais arrojada, a manutenção da receita com a desoneração da produção. Quanto maior o poder de negociação do governo, menor o risco de que o jogo duro com o governo acabe em inadimplência. Jogar duro, com maior ou menor margem para negociar e com perspectiva de "default" ou sem ela, é, porém, o que o governo tem de fazer. Sem isso, não se levanta o jugo financeiro que pesa sobre o Estado e a produção.
Não adianta remover esse obstáculo ao crescimento sem remover também o outro: o constrangimento externo. Se o Brasil voltasse a crescer hoje, logo mais enfrentaria crise de balança de pagamentos. Para evitar que ela mate o crescimento no nascedouro, duas iniciativas são necessárias. Uma é controlar a saída de capital brasileiro e proteger nossas reservas. A outra, mais ambiciosa, é dar a qualquer novo surto de crescimento a profundidade e a amplidão que se possam traduzir em aumento de nossos fluxos de comércio. A tarefa é trabalhar, produzir e consumir mais e melhor, exportando e substituindo importações como consequência; não reconciliar depressão interna com exuberância exportadora.
O governo teria de negociar com os empresários agenda de investimentos privados em troca de concessões tributárias e regulatórias. E de lançar-se, por meios que minimizassem o efeito inflacionário, na valorização do salário e na formalização do emprego. Dinheiro no bolso do trabalhador ajudaria a sustentar o ímpeto produtivo.
O Brasil já tem nos agronegócios setor de ponta da eficiência mundial. Não precisa escolher a dedo e a priori os setores industriais liderantes. Melhor desenvolver, a partir dos acordos de investimento com o empresariado, práticas e instituições que democratizem o acesso a crédito, tecnologia e conhecimento. Que compensem, graças a alianças estratégicas entre o Estado e os produtores, a escala insuficiente dos empreendimentos brasileiros. E que identifiquem, apóiem e difundam tudo o que for experiência bem-sucedida entre nós, colocando esse experimentalismo no lugar dos dogmas e das clientelas.
São propostas banais, ainda que exijam clareza e coragem. Banais, porém factíveis e libertadoras. Por essa porta estreita e rude passa hoje o futuro do Brasil.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.

www.law.harvard.edu/unger


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