São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O voto nulo é útil para a democracia?

NÃO

Uma proposta sem propósito

ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO

A GRANDE maioria da população, especialmente os que acompanham mais atentamente a vida política, se sente revoltada, desiludida com o triste espetáculo que nosso Parlamento vem apresentando à nação brasileira.
Tenho argumentado que a causa geradora desse reprovável comportamento parlamentar é nosso sistema eleitoral proporcional, pois as regras e as práticas eleitorais desse sistema beneficiam o fisiologismo e o clientelismo. É imprescindível uma reforma.
Entretanto, indignados com o reprovável comportamento dos deputados e descrentes da possibilidade de mudança, pessoas bem intencionadas passaram a defender o voto nulo. A inutilidade dessa proposta fica evidente com uma reflexão desapaixonada sobre suas conseqüências.
Primeiro, deve-se observar a enorme importância do Poder Legislativo em uma democracia. O Parlamento é a base do regime democrático e a garantia das liberdades individuais e sociais.
Sem Parlamento, não há democracia. Não é à-toa que os ditadores, entre as suas primeiras medidas, fecham os Parlamentos e, em seguida, acabam com a liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento e impõem as demais medidas autoritárias.
É útil lembrar que a desmoralização do Congresso tem sido uma forma usual de implantar ditaduras na história da humanidade e, mais recentemente, é o que Hugo Chávez tem feito. O voto nulo só contribuiria para uma maior desmoralização de nosso Parlamento e, assim, abrir um perigoso espaço para a proliferação de idéias totalitárias que possam ameaçar nossa jovem democracia.
Evidentemente, não é esse o objetivo da proposta de voto nulo. O que se deseja é um Congresso respeitado e respeitável, que não abrigue "300 picaretas". Também para esse objetivo a proposta de voto nulo é equivocada.
Caso um grande número de pessoas presumivelmente conscientes votassem nulo, o resultado seria a eleição ainda mais fácil e em maior número de "deputados que fazem do mandato um meio de negociação com o Executivo". Esses deputados, majoritariamente, obtêm votos em função da troca de favores com eleitores, os quais, certamente, não seriam seduzidos pela proposta de voto nulo.
Ou seja, o voto consciente se reduziria, mas o voto fisiológico permaneceria. A proposta de voto nulo chega a resultados opostos ao que inicialmente era pretendido. Pode-se perguntar se é factível mudar o sistema eleitoral com deputados eleitos por esse sistema. Acredito que, com os atuais deputados, não é a viável realizar a reforma eleitoral. Mas, neste ano, elegeremos um novo Congresso. Então, por que não aproveitar esta oportunidade e eleger o maior número possível de deputados e de senadores comprometidos com a mudança do sistema eleitoral?
Alcançar esse objetivo é difícil, mas não impossível. Para tanto, é preciso mobilizar os eleitores indignados com o comportamento do atual Parlamento sobre algumas bandeiras. Em primeiro lugar, é preciso convencer os eleitores de que as eleições para o Legislativo são tão importantes -e, neste ano, talvez mais importantes- quanto as para presidente ou para governador. Em segundo lugar, é necessário insistir na necessidade de examinar as qualidades morais e o caráter dos candidatos. Depois, é preciso exigir, individual ou coletivamente, dos candidatos um compromisso com a reforma do sistema eleitoral.
Em quarto lugar, é claro, cobrar dos eleitos o compromisso assumido. Em síntese, a bandeira deve ser a do voto consciente, também -e, nestas eleições, especialmente- para o Legislativo. Pregar o voto nulo é jogar no lixo uma grande oportunidade de usar a justa indignação da opinião pública contra "os políticos" para melhorar e consolidar nossa democracia. O remédio é o voto consciente, não o voto nulo.


ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO, economista, doutor em economia pela Universidade de Yale (EUA), é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi secretário de Economia e Planejamento de São Paulo (1995 a 2002) e presidente do BNDES (1985 a 1988).

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