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TENDÊNCIAS/DEBATES
O voto nulo é útil para a democracia?
NÃO
Uma proposta sem propósito
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO
A GRANDE maioria da população, especialmente os que
acompanham mais atentamente a vida política, se sente revoltada, desiludida com o triste espetáculo que nosso Parlamento vem apresentando à nação brasileira.
Tenho
argumentado que a causa geradora
desse reprovável comportamento
parlamentar é nosso sistema eleitoral
proporcional, pois as regras e as práticas eleitorais desse sistema beneficiam o fisiologismo e o clientelismo. É
imprescindível uma reforma.
Entretanto, indignados com o reprovável comportamento dos deputados e descrentes da possibilidade de
mudança, pessoas bem intencionadas
passaram a defender o voto nulo. A
inutilidade dessa proposta fica evidente com uma reflexão desapaixonada sobre suas conseqüências.
Primeiro, deve-se observar a enorme importância do Poder Legislativo
em uma democracia. O Parlamento é
a base do regime democrático e a garantia das liberdades individuais e sociais.
Sem Parlamento, não há democracia. Não é à-toa que os ditadores,
entre as suas primeiras medidas, fecham os Parlamentos e, em seguida,
acabam com a liberdade de imprensa
e a liberdade de pensamento e impõem as demais medidas autoritárias.
É útil lembrar que a desmoralização do Congresso tem sido uma forma usual de implantar ditaduras na
história da humanidade e, mais recentemente, é o que Hugo Chávez
tem feito. O voto nulo só contribuiria
para uma maior desmoralização de
nosso Parlamento e, assim, abrir um
perigoso espaço para a proliferação
de idéias totalitárias que possam
ameaçar nossa jovem democracia.
Evidentemente, não é esse o objetivo da proposta de voto nulo. O que se
deseja é um Congresso respeitado e
respeitável, que não abrigue "300 picaretas". Também para esse objetivo
a proposta de voto nulo é equivocada.
Caso um grande número de pessoas presumivelmente conscientes
votassem nulo, o resultado seria a
eleição ainda mais fácil e em maior
número de "deputados que fazem do
mandato um meio de negociação com
o Executivo". Esses deputados, majoritariamente, obtêm votos em função
da troca de favores com eleitores, os
quais, certamente, não seriam seduzidos pela proposta de voto nulo.
Ou seja, o voto consciente se reduziria, mas o voto fisiológico permaneceria. A proposta de voto nulo chega a
resultados opostos ao que inicialmente era pretendido.
Pode-se perguntar se é factível mudar o sistema eleitoral com deputados
eleitos por esse sistema. Acredito que,
com os atuais deputados, não é a viável realizar a reforma eleitoral. Mas,
neste ano, elegeremos um novo Congresso. Então, por que não aproveitar
esta oportunidade e eleger o maior
número possível de deputados e de
senadores comprometidos com a mudança do sistema eleitoral?
Alcançar esse objetivo é difícil, mas
não impossível. Para tanto, é preciso
mobilizar os eleitores indignados
com o comportamento do atual Parlamento sobre algumas bandeiras.
Em primeiro lugar, é preciso convencer os eleitores de que as eleições
para o Legislativo são tão importantes -e, neste ano, talvez mais importantes- quanto as para presidente ou
para governador. Em segundo lugar, é
necessário insistir na necessidade de
examinar as qualidades morais e o caráter dos candidatos. Depois, é preciso exigir, individual ou coletivamente, dos candidatos um compromisso
com a reforma do sistema eleitoral.
Em quarto lugar, é claro, cobrar dos
eleitos o compromisso assumido.
Em síntese, a bandeira deve ser a do
voto consciente, também -e, nestas
eleições, especialmente- para o Legislativo. Pregar o voto nulo é jogar no
lixo uma grande oportunidade de
usar a justa indignação da opinião pública contra "os políticos" para melhorar e consolidar nossa democracia.
O remédio é o voto consciente, não o
voto nulo.
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO, economista, doutor
em economia pela Universidade de Yale (EUA), é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da
USP. Foi secretário de Economia e Planejamento de São
Paulo (1995 a 2002) e presidente do BNDES (1985 a 1988).
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