|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil caminha para um bipartidarismo?
NÃO
Modernização partidária
DENIS LERRER ROSENFIELD
Penso que seria inadequado dizer
que o Brasil se encaminha para
uma situação de bipartidarismo. Estaríamos, talvez, presenciando um processo de modernização partidária, com
destaque para dois partidos que saem
vitoriosos desta eleição municipal.
O PT e o PSDB se colocam claramente
como alternativas estaduais e federal de
poder. Pode-se dizer que são partidos
com perfis programáticos definidos, comandados por lideranças expressivas,
de alcance nacional. Deve-se ainda ressaltar que são partidos que se articulam
em torno de idéias e propostas, apostando em que elas possam ser diferenciais na luta pelo poder. A profissionalização desses partidos, sobretudo do primeiro, é uma expressão de que a política
não mais se pode fazer apenas segundo
critérios clientelistas e regionais.
Nesse quadro, chama a atenção a polarização entre dois partidos que disputam a centro-esquerda, não havendo
propriamente um partido moderno de
direita que poderia se apresentar como
alternativa. Nos países de bipartidarismo, a alternativa política se faz entre
dois partidos com divergências programáticas mais profundas do que aquelas
que aparecem nos programas e nas práticas tucanas e petistas. Divergências essas que caem na rubrica geral de "direita" e "esquerda". Seria um bipartidarismo curioso a luta entre dois partidos
que disputam uma mesma posição no
espectro ideológico.
O PFL, por sua vez, está obrigado a fazer uma renovação de seu programa e
de sua prática, pois, se não o fizer, ficará
a reboque do PSDB. O partido ainda vive o dilema entre uma modernização
necessária, apresentando-se como alternativa de poder propriamente liberal, e o seu fisiologismo, apegado a lideranças regionais que se sustentam apenas à sombra do Estado. O PFL carece
de uma renovação do ponto de vista das
idéias, consolidando-se como um partido de oposição, capaz de viver sem a
bengala do Estado, adotando uma postura liberal tanto do ponto de vista econômico como político.
O PMDB sai enfraquecido do processo, aparecendo cada vez mais como
uma federação de partidos regionais,
sem consistência ideológica e sem apetite para ocupar a primeira posição na luta pelo poder. Esse partido desliga-se
cada vez mais de sua tradição histórica,
de defesa da democracia, e fica oscilando entre apoios a distintos governos federais, de perfis ideológicos diferentes.
Se essa tendência permanecer, sem um
projeto de renovação, a sua posição tenderá a ser cada vez mais secundária.
Destaque-se ainda o avanço do PPS,
que consegue um expressivo aumento
de prefeituras e de eleitores no cômputo
geral. Credite-se também a ele a firmeza
de posições, uma postura independente
em relação ao Estado, apesar dos seus
conflitos internos. A derrota de Ciro
Gomes em Fortaleza tende a atenuar essa prática de adesão ao governo.Trata-se, portanto, de um partido que se encaixa num processo de modernização.
É digno de nota o enfraquecimento
das oligarquias regionais. A família Sarney sai derrotada no primeiro turno em
São Luiz, apesar da posição proeminente no cenário nacional de José Sarney
enquanto presidente do Senado e atual
aliado do PT. Antonio Carlos Magalhães conseguiu às duras penas colocar
o seu candidato no segundo turno, quase tendo sido suplantado pelo PT. Apesar das negociações com o governo federal, a sua posição é de menor poder.
Manifesta-se aqui um claro descontentamento do eleitor com os caciques regionais, clamando por uma mudança
política. Esses líderes regionais se apresentam como fortes interlocutores no
Parlamento, sendo agraciados por sua
colaboração, enquanto, regionalmente,
perdem representatividade.
Há igualmente um enfraquecimento
de lideranças populistas de direita e de
esquerda. Paulo Maluf sofre uma derrota fragorosa em São Paulo. De grande
interlocutor no passado, ele se vê reduzido a uma posição subalterna. O seu
ofuscamento não é apenas individual,
mas revela um amadurecimento do
eleitor, que começa a abandonar o fascínio por posições populistas de direita,
em que a corrupção era, inclusive, um
componente endêmico. Ou o PP se renova ou será um partido-satélite.
Um processo semelhante ocorre no
Rio de Janeiro, com a derrota de Anthony Garotinho. Seu candidato ocupa
a terceira posição, sendo que Cesar
Maia se elege já no primeiro turno. O
mesmo processo ocorre em outras cidades importantes do Estado, expondo a
pouca vitalidade dessa forma de populismo de esquerda, de corte religioso. Se
essa tendência se confirmar nas próximas eleições, sinalizará uma modernização partidária do país no que tange a
essa orientação política. Essa observação não prejulga outras formas de populismo de esquerda, presentes na demagogia petista.
Os demais partidos, nesse quadro,
tendem a gravitar em torno daqueles
que se colocarem como alternativas de
poder. A sociedade brasileira tem sabido se mostrar mais amadurecida do que
suas elites políticas.
Denis Lerrer Rosenfield, 53, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
e editor da revista "Filosofia Política".
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Werneck Vianna: Fachada americana, estrutura barroca Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|