São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil caminha para um bipartidarismo?

NÃO

Modernização partidária

DENIS LERRER ROSENFIELD

Penso que seria inadequado dizer que o Brasil se encaminha para uma situação de bipartidarismo. Estaríamos, talvez, presenciando um processo de modernização partidária, com destaque para dois partidos que saem vitoriosos desta eleição municipal.
O PT e o PSDB se colocam claramente como alternativas estaduais e federal de poder. Pode-se dizer que são partidos com perfis programáticos definidos, comandados por lideranças expressivas, de alcance nacional. Deve-se ainda ressaltar que são partidos que se articulam em torno de idéias e propostas, apostando em que elas possam ser diferenciais na luta pelo poder. A profissionalização desses partidos, sobretudo do primeiro, é uma expressão de que a política não mais se pode fazer apenas segundo critérios clientelistas e regionais.
Nesse quadro, chama a atenção a polarização entre dois partidos que disputam a centro-esquerda, não havendo propriamente um partido moderno de direita que poderia se apresentar como alternativa. Nos países de bipartidarismo, a alternativa política se faz entre dois partidos com divergências programáticas mais profundas do que aquelas que aparecem nos programas e nas práticas tucanas e petistas. Divergências essas que caem na rubrica geral de "direita" e "esquerda". Seria um bipartidarismo curioso a luta entre dois partidos que disputam uma mesma posição no espectro ideológico.
O PFL, por sua vez, está obrigado a fazer uma renovação de seu programa e de sua prática, pois, se não o fizer, ficará a reboque do PSDB. O partido ainda vive o dilema entre uma modernização necessária, apresentando-se como alternativa de poder propriamente liberal, e o seu fisiologismo, apegado a lideranças regionais que se sustentam apenas à sombra do Estado. O PFL carece de uma renovação do ponto de vista das idéias, consolidando-se como um partido de oposição, capaz de viver sem a bengala do Estado, adotando uma postura liberal tanto do ponto de vista econômico como político.
O PMDB sai enfraquecido do processo, aparecendo cada vez mais como uma federação de partidos regionais, sem consistência ideológica e sem apetite para ocupar a primeira posição na luta pelo poder. Esse partido desliga-se cada vez mais de sua tradição histórica, de defesa da democracia, e fica oscilando entre apoios a distintos governos federais, de perfis ideológicos diferentes. Se essa tendência permanecer, sem um projeto de renovação, a sua posição tenderá a ser cada vez mais secundária.
Destaque-se ainda o avanço do PPS, que consegue um expressivo aumento de prefeituras e de eleitores no cômputo geral. Credite-se também a ele a firmeza de posições, uma postura independente em relação ao Estado, apesar dos seus conflitos internos. A derrota de Ciro Gomes em Fortaleza tende a atenuar essa prática de adesão ao governo.Trata-se, portanto, de um partido que se encaixa num processo de modernização.
É digno de nota o enfraquecimento das oligarquias regionais. A família Sarney sai derrotada no primeiro turno em São Luiz, apesar da posição proeminente no cenário nacional de José Sarney enquanto presidente do Senado e atual aliado do PT. Antonio Carlos Magalhães conseguiu às duras penas colocar o seu candidato no segundo turno, quase tendo sido suplantado pelo PT. Apesar das negociações com o governo federal, a sua posição é de menor poder. Manifesta-se aqui um claro descontentamento do eleitor com os caciques regionais, clamando por uma mudança política. Esses líderes regionais se apresentam como fortes interlocutores no Parlamento, sendo agraciados por sua colaboração, enquanto, regionalmente, perdem representatividade.
Há igualmente um enfraquecimento de lideranças populistas de direita e de esquerda. Paulo Maluf sofre uma derrota fragorosa em São Paulo. De grande interlocutor no passado, ele se vê reduzido a uma posição subalterna. O seu ofuscamento não é apenas individual, mas revela um amadurecimento do eleitor, que começa a abandonar o fascínio por posições populistas de direita, em que a corrupção era, inclusive, um componente endêmico. Ou o PP se renova ou será um partido-satélite.
Um processo semelhante ocorre no Rio de Janeiro, com a derrota de Anthony Garotinho. Seu candidato ocupa a terceira posição, sendo que Cesar Maia se elege já no primeiro turno. O mesmo processo ocorre em outras cidades importantes do Estado, expondo a pouca vitalidade dessa forma de populismo de esquerda, de corte religioso. Se essa tendência se confirmar nas próximas eleições, sinalizará uma modernização partidária do país no que tange a essa orientação política. Essa observação não prejulga outras formas de populismo de esquerda, presentes na demagogia petista.
Os demais partidos, nesse quadro, tendem a gravitar em torno daqueles que se colocarem como alternativas de poder. A sociedade brasileira tem sabido se mostrar mais amadurecida do que suas elites políticas.


Denis Lerrer Rosenfield, 53, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e editor da revista "Filosofia Política".


Texto Anterior:
TENDÊNCIAS/DEBATES
Luiz Werneck Vianna: Fachada americana, estrutura barroca

Próximo Texto:
Painel do leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.