|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Termômetro e febre
RIO DE JANEIRO - Costumo dizer que nada entendo de política. E acrescento: nada entendo de administração e
de quase tudo neste mundo. Mas vejo
com receio a substituição do ministro
da Defesa, ainda no rescaldo da pequena, mas significante, crise com os
militares na semana em que foram
divulgadas as fotos de um dos torturados do regime de 1964.
Por ora, tudo continuará submerso,
a solução do vice-presidente para administrar o setor foi inteligente e
oportunista -no bom sentido. Mas
não resolverá a questão, que é latente
e bem mais funda do que o episódio
das fotos e das diversas notas emitidas na ocasião.
Já lembrei, em crônica anterior,
que, desde a Guerra do Paraguai,
com a desmobilização em massa dos
efetivos, ficou encravado na vida nacional esse sapo de macumba que
volta e meia faz das suas, às vezes positivamente, como na Proclamação
da República e na Revolução de 30,
às vezes negativamente -e o maior
exemplo é de conhecimento geral.
Há uma cena em "Os Maias", do
Eça de Queiroz, em que Dâmaso Salcêde, um deslumbrado pelo prestígio
social, é obrigado a escrever uma carta de retratação ditada por João da
Ega dizendo-se bêbado contumaz e
idiota de nascença. No caso de Dâmaso, não havia lugar para conseqüências, a não ser a da humilhação
pessoal do próprio Dâmaso -ociosa
por sinal, pois não precisava da carta
para ser o consumado imbecil que
era.
A carta ditada por Lula aos militares foi igual não no conteúdo, mas no
ritual parecido. Teve o mérito de jogar água fria numa crise menor que
se esboçava. O motivo do desconforto
inicial foi superado, as fotos nem
eram de quem se supunha inicialmente. Mas os conceitos gerais emitidos na primeira nota não esfriaram.
Pelo contrário: tiveram um motivo
a mais para subir alguns graus no
complicado termômetro que mede a
nossa febre institucional.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: A verdade pela verdade Próximo Texto: Roberto Mangabeira Unger: O mais importante Índice
|