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CARLOS HEITOR CONY
Opinião da vaca sobre a vida
RIO DE JANEIRO - Era uma vez
uma vaca. Como todas as vacas, parecia exatamente uma vaca: tinha
rabo, úbere, patas, cheiro, design
convencional e tudo o que normalmente se entende por uma vaca.
Acontece que, ao contrário das vacas e de certos homens, essa tinha
opiniões. Eis a questão: uma vaca
com opinião podia ter razão, mas
não inspirava confiança. Era um
perigo e, certamente, uma ameaça.
Deu-se que, depois de certo tempo e de certas opiniões, as autoridades acharam que ela exagerava. De
início, as opiniões da vaca foram
consumidas como fato mais ou menos extraordinário.
Ela deu entrevistas à televisão,
apareceu no "Fantástico", respondeu à enquete das páginas amarelas, foi capa de revista e chegou a ser
indicada para musa do verão em
Ipanema. Perdeu para uma modelo
que ia se casar com um segurança.
Depois de badalarem a vaca, ela
foi ficando um pouco esquecida,
embora tenha sido convidada para
dar um curso sobre fenomenologia
na USP. Ia gravar um disco com o
Chico Buarque, mas os marqueteiros acharam melhor que ela descolasse outro parceiro -e foi assim
que a vaca cantou emboladas caipiras com o Zeca Pagodinho. O disco
foi editado por uma multinacional e
vendeu horrores.
Mas -contestava a vaca, amarga
e cética- ninguém tomava providências. Em vão ela dera importantes dicas para o bem dos povos, para
a paz do mundo e do homem.
Em vão alertara a humanidade
para o suicídio armamentista, para
a poluição dos rios e mares, para a
péssima qualidade de vida, enfim,
ela falava exatamente o que todos
falavam, mas tinha, a seu favor, a
vantagem de ser uma vaca e, com isso, esperava obter melhores resultados do que os cientistas sociais e
os cronistas da mídia impressa, falada e televisada.
Chamava-se Solange.
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