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JOSÉ SARNEY
"Tira nós da Aldeinha"
DOM MIGUEL de Unamuno
foi um dos pensadores mais
populares da minha geração. Seus livros eram lidos, aprendidos e meditados quando éramos
moços. Um deles, na minha primeira mocidade, ginasiano, causou-me grande impressão e maior
influência. Chama-se "O Sentimento Trágico da Vida". Ele fala
sobre a busca humana da imortalidade, de ser eterno, em como fugir
da morte, dos sistemas teológicos e
filosóficos que nos apontam para a
imortalidade da alma, até a ressurreição cristã, de voltar "com as próprias vestes".
Desse livro, ficou na minha memória sua afirmação de que a pergunta mais profunda do Novo Testamento é a de Pilatos: "O que é a
verdade?".
Pois, nesta semana, em meio ao
noticiário de Paquistão, Chávez,
CPMF e assaltos, vi, na coluna da
Mônica Bergamo, uma foto meio
imprensada com uma frase que para mim teve o mesmo impacto que
a de Unamuno. É um diálogo do
Prefeito de São Paulo com dois jovens abandonados que vão lhe pedir esmolas. Ele respondeu ao primeiro: "Não dou esmolas"; e, à segunda, uma menina que pediu, "tira nós da favela da Aldeinha", ele
não respondeu. Só o pedido dói. A
favela, com seu mundo de drogas e
medo, a prostituição infantil, os tiroteios diários, a falta de perspectiva de vida, não pede mais esmola.
Pede, como se fosse um grito de
misericórdia: "Tira nós da Aldeinha". A outra solução é a morte nas
calçadas da Candelária, tragédia-fuzilamento, hoje esquecida.
Aí está a pergunta não respondida de Pilatos: "O que é a verdade?".
Era o que a igreja pensava responder na regência moral da sociedade, especialmente das áreas pobres, com os dez mandamentos de
Moisés e a idéia de caridade. Hoje,
sumiram os missionários, sumiram os que dão esmolas, e os poucos que existem, de tão raros, são
considerados heróis. Os púlpitos
passaram pelos temas políticos e
perderam o discurso dos excluídos.
Então não há como estranhar o fenômeno das seitas.
Essas crianças não pedem esmola porque querem, não vendem
chicletes nem param os nossos carros porque são vadias. Elas vêm das
Aldeinhas. De lá saem para a guerra suja das ruas, do crack e do roubo. Falta ao poder público dar suporte à infância: condições de ter
família, de estudar, de viver e, sobretudo, de ter esperança. O mundo mudou, mas a denúncia do "David Cooperfield" e do "Capitães da
Areia" continua atual. Este mundo
das conquistas tecnológicas precisa saber que a vida começa na infância. E nada diz tanto sobre toda
a extensão desse problema do que
o pedido de Dayane, esta outra que
não brilha na ginástica olímpica:
"Prefeito, tira nós da Aldeinha". O
direito à liberdade de viver.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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