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VLADIMIR SAFATLE
Patologias do indivíduo
Um dos mantras preferidos
do pensamento conservador
consiste em reduzir a ideia de
liberdade à afirmação do indivíduo. Repetido de maneira
compulsiva, tal mantra procura impor à sociedade a crença
de que "liberdade" é simplesmente o nome que damos ao
sistema de defesa dos interesses particulares dos indivíduos, de suas propriedades
privadas e seus modos de expressão. No entanto, esta noção de liberdade talvez seja,
no fundo, uma forma muito
difundida de patologia social.
De fato, sofre-se muitas vezes por não se ser um indivíduo, ou seja, por não ter as
condições sociais necessárias
para a afirmação de uma individualidade almejada. No entanto, sofre-se também por ser
apenas um indivíduo. Há um
sofrimento vindo da incapacidade em pensar aquilo que,
dentro de si mesmo, não se
submete à forma coerente de
uma pessoa fortemente individualizada. Infelizmente, este
sofrimento, em vez de funcionar como motor de desenvolvimento subjetivo, muitas vezes se exterioriza e se transforma em medo social contra tudo o que parece colocar em xeque nossa "identidade", as
"crenças do nosso povo".
Não é por outra razão que lá
onde há a insistência em compreender a sociedade como
um mero conjunto de indivíduos, há sempre o outro lado
da moeda: a necessidade de
expulsar, de levantar fronteiras contra tudo o que não porta a minha imagem. O que nos
explica porque sociedades fortemente individualistas, como
aquelas que encontramos nos
EUA e em certos países europeus, são sempre assombradas pelo fantasma do corpo
estranho que está prestes a invadi-las, a destruir seus costumes e hábitos arraigados. Não
há individualismo sem lógica
social da exclusão.
Por outro lado, como todos
sabemos que o atomismo de
ser apenas um indivíduo é dificilmente suportável, este isolamento tende, muitas vezes,
a ser compensado com alguma forma de retorno a figuras
de comunidades espirituais e
religiosas. A vida contemporânea nos demonstrou que individualismo e religiosidade, liberalismo e restrições religiosas dogmáticas, longe de serem antagônicos, transformaram-se nos dois polos complementares e paradoxais do
mesmo movimento pendular.
Muito provavelmente, teremos que conviver com os resultados políticos desta patologia social bipolar.
Cada vez fica mais claro como o pensamento conservador se articula, em escala mundial, através
da restrição da pauta do debate social, ora apelando para as
"liberdades individuais", ora
para "nossos valores cristãos". Contra isso, temos que
saber mostrar como o conceito
de liberdade e de ação social
podem ser reconstruídos para
além destes equívocos.
A nosso favor, há uma bela
tradição do pensamento que
quer se fazer ouvir.
VLADIMIR SAFATLE passa a escrever às
terças-feiras nesta coluna.
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