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Sociologia das loiras
OTAVIO FRIAS FILHO
Desde Gilberto Freyre, cujo centenário se comemora no ano que vem, vemos na miscigenação um traço positivo da formação brasileira. Longe de
debilitar a "raça", como se pensava
antes, esse aspecto evitou que o racismo se tornasse virulento e enriqueceu
a cultura popular, beneficiária da confluência de três tradições.
A noção se fixou nos anos 60, quando a "mulata-exportação" e a "morena da praia" se tornaram ícones femininos, e teve até uma consequência
programática no "socialismo moreno" apregoado por Brizola e Darcy Ribeiro. De uns tempos para cá, porém,
quem percorre as revistas ou a televisão percebe que alguma coisa mudou.
A presença maciça de loiras no imaginário da mídia e do show biz não é
fenômeno tão frívolo, nem tão gratuito. Impulsionado, talvez, pelos progressos da cosmética que facilitam a
mudança cromática, ele provavelmente reflete, num plano mais banal,
o prestígio do modelo americano, imitado no mundo inteiro.
Mas a valorização da "loiritude" ressalta também um antigo mecanismo
interno, que se pode chamar de racismo em cascata. Como no Brasil não
existem, ao contrário de tantos outros
países, blocos etnicamente homogêneos e separados, a diferença racial
tende a se diluir nas inúmeras gradações que vão de um extremo ao outro.
O racismo não se torna ideológico,
não se volta em abstrato contra a totalidade dos "outros", mas funciona seletivamente contra os "outros" que estejam abaixo na escala das diferenças
sociais. Embora não definam a desigualdade, as diferenças raciais servem
como uma régua para calcular distâncias, reais ou presumidas.
Esse paralelismo entre as escalas social e cromática se projeta na própria
camada dominante, prostrada diante
das imagens que vêm do exterior,
emitidas por sua congênere loira. Basta folhear as revistas de ostentação da
riqueza e do ócio para verificar o avanço da "loirização" como etapa superior do "embranquecimento".
Parece que foi Pelé o primeiro astro
negro a se casar com uma loira. Não
cabe especular sobre sentimentos pessoais, que devem ser autênticos em
muitos casos, mas a tendência se tornou quase um ritual obrigatório na
formação de mitos do esporte e da
música, reflexo do desejo de criar um
curto-circuito na cascata do racismo.
Como é comum nas reações inconscientes, a contrapartida tem sido o humorismo em torno do mito da "loira
burra". Decodificada, a idéia é a de
que essas pessoas, por se apegarem
demais às aparências, são vazias, tão
vazias como a pantomima em que
"chiques e famosos" imitam seus
equivalentes americanos.
Carla Perez, Xuxa, Ana Maria Braga
etc. estão mostrando que até do ponto
de vista do imaginário cosmético as
identidades nacionais foram substituídas por um padrão artificial de inspiração americana. É uma ironia que,
nas vésperas do centenário do teórico
da mestiçagem, a falsa loira seja o novo ícone sexual brasileiro.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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