São Paulo, Quinta-feira, 09 de Dezembro de 1999


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O entulho inflacionário


Se continuar a resistência às reformas, o governo estará acolhendo em seu seio a serpente


ABRAM SZAJMAN

No passado, os desajustes do setor público manifestavam-se na forma de inflação, favorecidos pelo isolamento da economia brasileira e pelo processo indexatório reinante. A roda da fortuna girava a favor dos detentores de poupança, em detrimento das atividades produtivas e da eficiência. A concentração da renda, ampliando a massa dos mais pobres, era um dos efeitos colaterais dessa anomalia, revelando a incompetência do Estado.
Quando os preços começaram a se estabilizar, com a abertura econômica dos anos 90, complementada pelo advento do real, em 1994, os efeitos mais perversos da inflação deixaram de se fazer sentir, o que transmitiu aos brasileiros a falsa impressão de que a serpente estava morta. Mas não estava. Nunca esteve. Sobreviveu nos porões da economia, disfarçada de déficit público, falência financeira e desorganização administrativa do Estado, além de desequilíbrios da Previdência, que não representavam nada diferente do que a inflação latente. Alimentou-se da inação do governo em efetivar reformas que resolveriam esses problemas e recuperou seu veneno nutrindo-se nesse ambiente.
Hoje, ao esfumar-se o alardeado superávit na balança comercial, de quiméricos US$ 6 bilhões ou US$ 12 bilhões, diante do pesadelo de mais um déficit (entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões), quando o PIB fecha o ano com queda de 1%, a serpente da inflação levanta de novo a cabeça, com seus 12% de taxa anualizada.
Enquanto a verdade aparece nua e crua para 75% dos brasileiros, que afirmam em pesquisa que a inflação está de volta, os analistas especulam. Há teorias para todos os gostos e ideologias. Mais uma vez deparamos com uma discussão bizantina sobre a causa do problema, como se ela tivesse algum dia deixado de ser o que sempre foi: a desorganização do Estado.
Entretanto, se nunca as causas foram atacadas de forma definitiva, como explicar a estabilização destes cinco anos? A questão é simples: ampliou-se o nível de competição com a abertura econômica e ancorou-se a economia nos juros e no câmbio. Como pretender preços em alta com economia contida? É possível explicar o fenômeno por muitos caminhos, mas todos eles desembocam na paralisia dos políticos em resolver as questões básicas.
É óbvio que com uma demanda pequena os preços têm maiores restrições a altas. É claro também que os preços tiveram no Brasil alta em períodos de retração econômica, mas com a economia fechada, e isso não invalida a tese da pressão da demanda.
Ocorre que, como todo fenômeno econômico, não há apenas um, mas diversos ângulos nessa história, segundo o interesse de cada grupo. Excesso de demanda, insuficiência de oferta e baixa produtividade nunca deixarão de exercer pressão sobre os preços. Empresarialmente, se as condições favorecerem, os agentes econômicos tendem a acomodar-se, em mercados cativos, à baixa produtividade e a custos altos.
É nessas circunstâncias que deve prevalecer o papel disciplinador do Estado, por meio da política econômica, direcionando a economia pelos caminhos da eficiência. Esse papel o Estado só tem condições de exercer se estiver devidamente estruturado, para poder ser um elemento neutro. Salta aos olhos que o Estado brasileiro, nos seus três níveis, está longe de poder exercer esse papel.
Neste momento, a demanda é fraca e há uma enorme capacidade ociosa nas empresas. Porém os custos se elevaram muito (matéria-prima, tarifas, tributos, combustíveis), e a estrutura de custos das empresas está diferente daquela que, com a economia estabilizada, as empresas haviam alcançado, num nível de produção que lhes permitia minimizar os custos.
Aqui está o "xis" do problema, pois não existem margens a serem cortadas. Por isso, a despeito da queda na demanda, a inflação tem chegado ao consumidor.
Saber o limite dessa alta nos preços e se haverá em algum momento uma indexação é muito difícil, mas, com a chegada do final do ano e uma natural elevação de demanda, aliada ao 13º salário, ao governo só resta tentar interromper o repique inflacionário. Mas, se aumentar os juros, complica o ajuste da dívida interna, além de não poder usar de forma mais contundente as reservas para conter o câmbio.
Assim, como o governo vai lidar com a alta de preços? Neste momento, consumidor e empresários deparam com quedas nos seus rendimentos (salários ou receitas reais, por conta da alta de preços), dentro de um ambiente econômico hostil da recessão prolongada que o país enfrenta.
Para conter a alta de preços, o governo precisa fazer agora o mesmo que devia ter sido feito desde junho de 94: encaminhar ao Congresso e aprovar reformas efetivas, mudando radicalmente a trajetória da dívida pública e do déficit do setor público. Se continuar a resistência às reformas, o governo estará acolhendo no próprio seio a serpente que irá ferir de morte a credibilidade que ainda resta.


Abram Szajman, 59, é empresário e presidente da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo e dos Conselhos Regionais do Sesc e do Senac.



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