São Paulo, segunda-feira, 09 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O social em primeiro lugar

JUTAHY MAGALHÃES JÚNIOR


A tão sonhada mudança do "modelo brasileiro" de fato já começou a acontecer

Na década de 1970, em pleno "milagre brasileiro", o então presidente Emílio Médici deixou escapar uma frase que sintetizava o paradoxo do crescimento econômico com exclusão social, exacerbado pelo autoritarismo político: "O país vai bem, mas o povo vai mal". A entrega do prêmio de desenvolvimento humano da ONU ao presidente Fernando Henrique Cardoso hoje significa o reconhecimento internacional de que o Brasil afinal conseguiu quebrar a lógica perversa desse modelo de crescimento que marcou a nossa formação histórica.
FHC é o primeiro a receber esse prêmio, criado para distinguir, a cada dois anos, o líder mundial que mais tenha feito, com maior êxito, em favor de um desenvolvimento que não se traduza só em crescimento econômico, mas em distribuição de renda, bem-estar social e fortalecimento da cidadania. Ele foi escolhido, entre vários líderes, por uma comissão de cinco especialistas de renome internacional, incluindo Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2000, ex-economista-chefe do Banco Mundial, que tem se notabilizado como um dos mais duros críticos da miopia social e política do chamado Consenso de Washington.
Para o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, "a permanente dedicação do presidente Cardoso ao desenvolvimento humano e a sua liderança democrática no Brasil elevaram o padrão pelo qual a governança pode ser julgada na América Latina. Mark Brown, do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), destacou que no governo FHC "a luta contra a pobreza tornou-se uma prioridade nacional, e a democracia, uma realidade vibrante".
O comunicado em que a ONU anunciou a premiação assinala que FHC "liderou importantes progressos para o desenvolvimento humano no Brasil", e cita alguns desses avanços, destacados pela comissão de especialistas. Os fatos não deveriam ser novidade para nós, no Brasil, mas é bom lembrar, até porque eles nos orgulham.
1) A mortalidade infantil caiu de 47,8 mortes por mil nascidos vivos, em 1991, para 29,6 em 2000.
2) O contingente de crianças brasileiras fora da escola caiu de 10% em 1995 para quase zero. Entre as crianças mais pobres, a proporção caiu de 25% em 1995 para 7% em 1999. No mesmo período, o trabalho infantil diminuiu drasticamente, de 5,1 milhões para 3,8 milhões de crianças entre 5 e 15 anos.
3) Campanhas maciças de prevenção e distribuição gratuita de remédios diminuíram as mortes por Aids em 64% entre 1995 e 2000.
4) Houve um aumento sustentado do salário mínimo, que em 2002 está 27% acima do nível do início dos anos 90.
5) A população abaixo da linha da pobreza caiu de 42% em 1994 para 33%. Nove milhões de pessoas saíram da pobreza absoluta.
6) A criação de 8,9 milhões de empregos entre 1993 e 2001 ajudou a manter a taxa de desemprego em torno de 7%, apesar das crises financeiras externas que causaram desemprego em massa em outros países.
7) Cerca de 20 milhões de hectares foram distribuídos a mais de 588 mil famílias pelo programa de reforma agrária entre 1995 e 2001.
8) O Programa Alvorada, lançado pelo governo brasileiro em 2001, leva um conjunto de ações antipobreza aos 2.361 municípios mais carentes de acordo com o ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que avalia longevidade, escolaridade e renda familiar. Até o final de 2002, esses municípios receberão R$ 13,2 bilhões para melhoria do atendimento à saúde, serviços de água e esgoto e educação.
9) O governo brasileiro reconheceu formalmente a responsabilidade por violações dos direitos humanos durante o regime militar, criou uma Comissão Especial para Desaparecidos e Mortos Políticos que investigou 336 casos e indenizou as famílias de 265 vítimas.
Esses resultados, eloquentes por si mesmos, ganham maior significado quando levamos em conta que foram alcançados em plena democracia, com os movimentos sociais exercendo ativamente seu direito de exigir e reclamar e a oposição se expressando a plenos pulmões nas ruas, no Congresso e nos meios de comunicação. E ainda mais quando constatamos que os avanços sociais superaram o crescimento econômico nesse período, por muito que as reformas estruturais conduzidas por FHC tenham fortalecido a economia brasileira para enfrentar as turbulências da globalização. Ou seja, a tão sonhada mudança do "modelo brasileiro" de fato já começou a acontecer.
Talvez seja esperar demais algum reconhecimento desses fatos por parte de quem se especializou, nos últimos anos, em pintar o Brasil de preto para melhor realçar o colorido de suas promessas. É importante, no entanto, que os brasileiros -a imensa maioria que trabalha e torce sinceramente pelo seu país- sejam corretamente informados. Não tanto para enaltecer a liderança de FHC -ele tem lugar garantido na galeria dos grandes presidentes brasileiros pela conquista da estabilidade econômica, pela consolidação da democracia, pelo encaminhamento das reformas, pela prioridade efetiva, e não meramente retórica, à área social do governo. Mas, no mínimo, para evitar que a tentativa de reinventar a roda, por desconhecimento dos avanços já conseguidos, acabe de fato levando a retrocessos, seja na gestão da economia, seja nas políticas sociais.

Jutahy Magalhães Júnior, 47, advogado, é deputado federal pelo PSDB-BA e líder do partido na Câmara. Foi ministro do Bem-Estar Social (governo Itamar Franco)


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