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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Como pode mudar

Como pode o Brasil mudar o curso continuísta e empobrecedor que está seguindo? Como pode salvar-se da onda de mediocridade em que se está afogando e começar a tornar-se o que desesperadamente quer ser: dínamo de energia construtiva, capaz de gerar inovações surpreendentes? Comparo três teses a respeito da saída.
A primeira tese é apelar aos governantes para que mudem de idéia. Não acontecerá. O presidente e seus tenentes exercem-se num método que, dentro das regras políticas vigentes, só abandonarão a pauladas: mostrar aos financistas que são confiáveis, mostrar aos pobres que não se esqueceram deles, mostrar aos magnatas da mídia e aos financiadores de campanha que sabem ser gratos e exigir gratidão e mostrar a todos, por meio de uma política exterior em muitos pontos acertada, que não são tão vira-casacas quanto parecem. Só crise econômica que ameace o governo com derrota eleitoral o demoverá desse rumo.
A segunda tese é construir, primeiro na sociedade civil e depois na política partidária, alternativa produtivista, democratizante e moralizadora ao projeto tucano-petista, alternativa que não se deixe confundir com esquerdismo sectário ou corporativista e que retome a evolução histórica do antigo trabalhismo brasileiro. É factível e indispensável, ainda que penoso. Obra de longo fôlego, não pode, porém, surtir efeito imediato.
A terceira tese é mudar e abrir, desde logo, a situação, reconstruindo a natureza dos partidos e a relação entre política e dinheiro. E isso se faz com iniciativas de duas ordens. De um lado, engajando procuradores, juízes e o que nos sobra de jornalismo independente na investigação do emaranhado de transações que acumpliciam o poder com os financiadores dos políticos e dos partidos. E, de outro lado, de maneira mais profunda e definitiva, reformando as regras eleitorais.
Comissão especial da Câmara dos Deputados acaba de aprovar duas propostas que, juntas, revolucionariam a política brasileira. Uma assegura o financiamento público das campanhas eleitorais e proíbe o financiamento privado. A outra institui o sistema de listas fechadas, pelo qual o eleitor em eleições legislativas vota em chapa partidária em vez de votar em candidato. A votação de cada partido determina quantos candidatos ele elege e a ordem na chapa decide a precedência entre eles.
Ambas as propostas se prestam a abusos por oligarquias partidárias e exigem fiscalização constante. Combinadas, porém, prometem instaurar no país regime de partidos fortes e abafar a voz do dinheiro. A experiência de outras nações é inequívoca: essas reformas transformam a vida pública. No ambiente que ajudariam a criar, teriam vez as forças - sejam governistas ou de oposição - que querem ver o Brasil reorientado.
Não se deve subestimar a dificuldade de aprovação dessas reformas pelo Congresso. Entretanto sua tramitação até agora exitosa, a despeito dos riscos que trazem para os que se elegeram pelas regras atuais, é um dos fatos mais alentadores ocorridos na história recente do país - fruto só de consciência, de convicção, de esclarecimento. Distantes do dia-a-dia do brasileiro e de difícil entendimento popular, abrem espaço para fazer política de verdade no Brasil. Significam mudança já.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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