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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se deduzir do IR os gastos com empregados domésticos?
NÃO
Inclusão simbólica
HÉLIO ZYLBERSTAJN
O objetivo da proposta do ministro do Trabalho é generoso e bem-intencionado: induzir a inclusão do
enorme contingente de empregadas domésticas que não têm carteira profissional assinada. Vamos examinar a idéia
sob a ótica dos três segmentos envolvidos: as próprias domésticas, as famílias
que as empregam e o governo.
Comecemos pelas domésticas. De
acordo com o IBGE (Pnad/2002), existe
no Brasil aproximadamente 1,5 milhão
de empregadas domésticas registradas e
4,5 milhões sem registro. Supondo que
a idéia funcione e que todas as empregadas informais se registrem, o que ganhariam? Na verdade não muito.
Hoje, sem registro em carteira, elas já
têm direito à assistência médica do SUS
e à aposentadoria de um salário mínimo
por idade. O registro em carteira lhes
daria o 13º salário, férias de 30 dias e o
aviso prévio. Na melhor das hipóteses,
seus salários permaneceriam os mesmos. Numa hipótese menos favorável,
seus salários seriam ajustados para baixo, para compensar o aumento no custo
para as famílias que as empregam.
É preciso lembrar também que as empregadas sem registro podem reclamar
seus direitos na Justiça do Trabalho.
Portanto, potencialmente, elas já os
têm. Enfim, o benefício material para as
domésticas que hoje não são registradas
seria provavelmente muito pequeno. O
grande benefício para elas seria mais
simbólico: ganhariam o status da carteira de trabalho assinada.
E as famílias? Para as famílias que hoje
empregam suas domésticas sem registro, não haveria nenhum custo adicional. Os impostos e as contribuições decorrentes da formalização do vínculo
seriam compensados com a dedução no
Imposto de Renda. Mas as famílias que
têm empregadas registradas seriam beneficiadas. Hoje, essas famílias registram suas empregadas e não deduzem
nada do IR. Com a proposta do ministro, teriam direito à dedução.
O terceiro envolvido, o governo, perderia. As novas contribuições entrariam
por um lado (Previdência Social) e sairiam por outro (Imposto de Renda).
Mas as contribuições que hoje são recolhidas seriam perdidas.
Em síntese: as empregadas sem registro -o público-alvo dessa medida-
ganhariam o registro, mas sua situação
concreta pouco mudaria. O governo
perderia arrecadação, porque as famílias que hoje já registram suas empregadas obteriam uma dedução no IR. Sob o
ponto de vista da tributação, a proposta
tem pelo menos mais dois inconvenientes. Primeiro, seria um remendo a mais
na nossa estrutura tributária já tão complicada e remendada. Segundo, as famílias que hoje registram suas empregadas
são provavelmente as mais ricas. Ao
conceder-lhes isenção no IR, a proposta
aumentaria a regressividade do sistema
tributário. Estaríamos retrocedendo.
Precisamos caminhar na direção contrária: simplificar os tributos, eliminar
as isenções e, principalmente, tributar
com progressividade (cobrar mais impostos de quem tem mais renda).
A proposta do ministro se baseia no
pressuposto de que, para incluir, é preciso formalizar a relação de emprego.
Mas, ao propor a isenção do IR, o ministro reconhece que a dificuldade de formalizar vem do excesso de tributos sobre os salários. De fato, é muito caro formalizar vínculos de emprego neste país.
Pode-se perguntar então: por que
isentar apenas as contribuições dos patrões das empregadas domésticas? Por
que não as da construção civil? E da
agricultura? Enfim, por que não reduzir
os tributos sobre a folha de todos os salários? Se isso pudesse ser feito, a taxa de
formalização do nosso mercado de trabalho aumentaria muito, sem dúvida.
Possivelmente os trabalhadores se
apropriariam de uma parte da redução
dos impostos. Ainda assim, uma vez
formalizados, estariam todos esses trabalhadores incluídos?
A resposta seria sim, se por inclusão
entendermos apenas formalização do
emprego e carteira assinada. Mas, se entendermos inclusão como acesso aos
mercados de bens e serviços e exercício
concreto da cidadania, a reposta seria
não. Para combater a exclusão no longo
prazo seria preciso capacitar os excluídos para aumentar-lhes a produtividade e a renda. No curto prazo, porém,
melhor seria um programa de IR negativo, que transferisse renda diretamente
para todos os que trabalham mas recebem rendimentos pequenos.
O grande mérito da idéia do ministro
Jaques Wagner é trazer ao debate a importante questão da escolha das políticas públicas para enfrentar a exclusão
social. O Brasil tem cerca de 80 milhões
de trabalhadores, dos quais menos de
30 milhões registrados. Os números indicam que, se quisermos incluir concretamente os excluídos, será preciso superar o simbolismo da formalização do
vínculo do emprego. A assistência do
Estado deveria ser definitivamente considerada um direito do cidadão, e não só
do trabalhador com carteira assinada.
(eu agradeço os comentários do prof.
André Portela Souza. Eventuais erros e
omissões neste texto, porém, permanecem como de minha responsabilidade)
Hélio Zylberstajn, 58, economista, é professor
da FEA-USP e pesquisador da Fipe (Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas).
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