São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se deduzir do IR os gastos com empregados domésticos?

NÃO

Inclusão simbólica

HÉLIO ZYLBERSTAJN

O objetivo da proposta do ministro do Trabalho é generoso e bem-intencionado: induzir a inclusão do enorme contingente de empregadas domésticas que não têm carteira profissional assinada. Vamos examinar a idéia sob a ótica dos três segmentos envolvidos: as próprias domésticas, as famílias que as empregam e o governo.
Comecemos pelas domésticas. De acordo com o IBGE (Pnad/2002), existe no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de empregadas domésticas registradas e 4,5 milhões sem registro. Supondo que a idéia funcione e que todas as empregadas informais se registrem, o que ganhariam? Na verdade não muito.
Hoje, sem registro em carteira, elas já têm direito à assistência médica do SUS e à aposentadoria de um salário mínimo por idade. O registro em carteira lhes daria o 13º salário, férias de 30 dias e o aviso prévio. Na melhor das hipóteses, seus salários permaneceriam os mesmos. Numa hipótese menos favorável, seus salários seriam ajustados para baixo, para compensar o aumento no custo para as famílias que as empregam.
É preciso lembrar também que as empregadas sem registro podem reclamar seus direitos na Justiça do Trabalho. Portanto, potencialmente, elas já os têm. Enfim, o benefício material para as domésticas que hoje não são registradas seria provavelmente muito pequeno. O grande benefício para elas seria mais simbólico: ganhariam o status da carteira de trabalho assinada.
E as famílias? Para as famílias que hoje empregam suas domésticas sem registro, não haveria nenhum custo adicional. Os impostos e as contribuições decorrentes da formalização do vínculo seriam compensados com a dedução no Imposto de Renda. Mas as famílias que têm empregadas registradas seriam beneficiadas. Hoje, essas famílias registram suas empregadas e não deduzem nada do IR. Com a proposta do ministro, teriam direito à dedução.
O terceiro envolvido, o governo, perderia. As novas contribuições entrariam por um lado (Previdência Social) e sairiam por outro (Imposto de Renda). Mas as contribuições que hoje são recolhidas seriam perdidas.
Em síntese: as empregadas sem registro -o público-alvo dessa medida- ganhariam o registro, mas sua situação concreta pouco mudaria. O governo perderia arrecadação, porque as famílias que hoje já registram suas empregadas obteriam uma dedução no IR. Sob o ponto de vista da tributação, a proposta tem pelo menos mais dois inconvenientes. Primeiro, seria um remendo a mais na nossa estrutura tributária já tão complicada e remendada. Segundo, as famílias que hoje registram suas empregadas são provavelmente as mais ricas. Ao conceder-lhes isenção no IR, a proposta aumentaria a regressividade do sistema tributário. Estaríamos retrocedendo.
Precisamos caminhar na direção contrária: simplificar os tributos, eliminar as isenções e, principalmente, tributar com progressividade (cobrar mais impostos de quem tem mais renda).
A proposta do ministro se baseia no pressuposto de que, para incluir, é preciso formalizar a relação de emprego. Mas, ao propor a isenção do IR, o ministro reconhece que a dificuldade de formalizar vem do excesso de tributos sobre os salários. De fato, é muito caro formalizar vínculos de emprego neste país.
Pode-se perguntar então: por que isentar apenas as contribuições dos patrões das empregadas domésticas? Por que não as da construção civil? E da agricultura? Enfim, por que não reduzir os tributos sobre a folha de todos os salários? Se isso pudesse ser feito, a taxa de formalização do nosso mercado de trabalho aumentaria muito, sem dúvida. Possivelmente os trabalhadores se apropriariam de uma parte da redução dos impostos. Ainda assim, uma vez formalizados, estariam todos esses trabalhadores incluídos?
A resposta seria sim, se por inclusão entendermos apenas formalização do emprego e carteira assinada. Mas, se entendermos inclusão como acesso aos mercados de bens e serviços e exercício concreto da cidadania, a reposta seria não. Para combater a exclusão no longo prazo seria preciso capacitar os excluídos para aumentar-lhes a produtividade e a renda. No curto prazo, porém, melhor seria um programa de IR negativo, que transferisse renda diretamente para todos os que trabalham mas recebem rendimentos pequenos.
O grande mérito da idéia do ministro Jaques Wagner é trazer ao debate a importante questão da escolha das políticas públicas para enfrentar a exclusão social. O Brasil tem cerca de 80 milhões de trabalhadores, dos quais menos de 30 milhões registrados. Os números indicam que, se quisermos incluir concretamente os excluídos, será preciso superar o simbolismo da formalização do vínculo do emprego. A assistência do Estado deveria ser definitivamente considerada um direito do cidadão, e não só do trabalhador com carteira assinada.
(eu agradeço os comentários do prof. André Portela Souza. Eventuais erros e omissões neste texto, porém, permanecem como de minha responsabilidade)


Hélio Zylberstajn, 58, economista, é professor da FEA-USP e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).


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