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TENDÊNCIAS/DEBATES
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NÃO
Proposta inócua e inconsistente
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO
OS DIREITOS trabalhistas não
causam desemprego tampouco sua redução ou flexibilização evita o desemprego. Não há registro histórico de atividades empresariais frustradas em razão do direito do
trabalho. A variação dos indicadores
do desemprego depende fundamentalmente do crescimento e do desenvolvimento econômico.
O direito do trabalho funciona, de
um lado, como via de inclusão social e
de sustentação das condições mínimas para o relacionamento e a convivência social civilizada; de outro lado,
pela negociação coletiva de trabalho,
como instrumento de distribuição de
renda e de ajuste específico e determinado das condições de trabalho.
As relações de trabalho, portanto,
são reguladas mediante a combinação
de políticas públicas para o trabalho e
de ajustes privados de natureza coletiva. Eventuais desvios dos acertos
privados, invariavelmente, implicam
custos sociais mais altos para a preservação das políticas públicas.
A crise mundial, que apresenta reflexos no Brasil, além de propiciar farta distribuição de recursos públicos
ao setor privado pelas mais variadas
modalidades, possibilitou a formação
de um ambiente propício à especulação prognóstica e a disseminação de
análises referidas em dados imprecisos, que outra coisa não fazem senão
aumentar a insegurança e, com isso,
possibilitar, por meio da livre associação de ideias, a retomada do elo perdido da agenda política de um passado
recente de triste memória.
Agora, a pauta que tentam fixar é a
do incentivo à utilização generalizada
e descontextualizada da redução da
jornada de trabalho com redução de
salários.
Essa alternativa é assegurada pelo
ordenamento jurídico nacional. É só
comprovar a sua necessidade, convencer os sindicatos e não utilizá-la
de forma dissimulada para perpetrar
fraude trabalhista que a redução será
considerada juridicamente perfeita.
O ponto é este. Onde termina a necessidade e começa a oportunidade?
Mesmo para aqueles setores atingidos pela crise, a dimensão e o impacto
dela não são uniformes.
Desse modo, tentar generalizar
procedimentos essencialmente excepcionais e temporários é, para dizer
o menos, a exaltação da improvisação
como regra de conduta.
A inconsistência da proposta é o
seu caráter generalista e subsidiário.
Nenhum dos seus proponentes acredita que a medida, por si só, amenizará o desemprego. Trata-se de um movimento secundário. O principal é o
conjunto de medidas a cargo do governo (redução de impostos, alongamento dos prazos para pagamento
dos tributos, pagamento do crédito
do ICMS para as empresas exportadoras, redução dos juros).
Não há o menor sentido em adotar
medidas que não influem no centro
dinâmico do processo, não resolvem
os problemas de curto prazo e desorganizam as relações de trabalho no
médio e longo prazo.
Não há uma saída mágica. É preciso
paciência e criatividade para encontrar as medidas mais adequadas para
cada situação. Nada que sindicalistas
e empresários criativos e comprometidos com o país não consigam.
O governo pode e deve ajudar no
sustento de políticas concertadas,
com o compromisso futuro dos envolvidos. Há espaço para a articulação
de financiamentos de empregos com
a participação estatal, que, afinal, são
mais baratos e produtivos do que o
pagamento do seguro desemprego
e dos programas de requalificação
profissional.
De outra parte, não deixa de ser um
tremendo paradoxo que, no mesmo
processo em que o Estado aporta recursos fabulosos para garantir as empresas, seja tolerada a restrição de direitos elementares de cidadania. Do
ponto de vista econômico, o movimento é inócuo e oneroso, e, do ponto
de vista ético, deplorável.
É chegada a hora da participação
dos atores sociais. Nesses momentos
é que temos a dimensão da importância de sindicatos, sindicalistas e empresários representativos e competentes o suficiente para não caírem na
tentação do discurso fácil, que sempre apresenta a mesma solução para
todo e qualquer tipo de problema.
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO, 49, advogado, mestre (PUC-SP) e doutor (USP) em direito, é coordenador do
Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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