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Limitar a reedição de medidas provisórias vai resolver o conflito entre os poderes?
NÃO
As eternas medidas provisórias
CELSO BASTOS
No correr de sua história, o Brasil
teve dois instrumentos legais destinados a conferir ao Poder Executivo
uma competência excepcional: o decreto-lei e a medida provisória -para não
falarmos da época em que o mero decreto tinha força de lei. A semelhança
entre esses dois institutos é inequívoca.
Ambos, guardadas as características
próprias de cada um, se irmanam no
propósito de conferir ao Poder Executivo uma parcela maior de competência,
qual seja, a de expedir atos normativos
com força de lei.
O primeiro era um ato editado pelo
chefe do Poder Executivo em matéria
própria de lei e para vigorar como tal; tinha vigência imediata e só a perderia se
fosse rejeitado pelo Poder Legislativo no
prazo de 60 dias. No entanto o decurso
desse lapso temporal equivalia a uma
aprovação tácita. Ele estava sujeito, de
outra parte, a uma série de restrições.
Destacamos, entre essas restrições, a de
só poder versar sobre matérias que a Lei
Maior expressamente enunciava.
A Constituição de 1988 expurgou o famigerado decreto-lei, mas, por sua vez,
não deixou de reconhecer a absoluta
transcendência do assunto, sobretudo
no que diz respeito à outorga de alguma
sorte de poder de legislar ao Executivo.
Foi, então, instituída a figura da medida
provisória.
Todavia, não obstante vir aparentemente revestida de uma grande força,
ela foi criada para não funcionar na prática. Isso porque, apesar de produzir
efeitos imediatamente após a sua edição, o Texto Constitucional prevê expressamente que ela, se decorrido o prazo de 30 dias e se não for convertida em
lei, perde a sua eficácia. A verificação do
decurso do prazo, ao contrário do que
acontecia com o decreto-lei, não implica uma aprovação tácita.
Ficava claro, portanto, que se tratava
de um instituto aparentemente inócuo.
Qualquer pessoa razoavelmente entendida na mecânica dos três poderes sabe
muito bem que o Poder Legislativo não
tem condições de se manifestar a respeito no prazo de 30 dias, isso em razão de
ser ele muito lento no desempenho da
atividade de legislar.
A medida provisória, da maneira pela
qual foi delineada pela Lei Maior, não
aterrorizava ninguém, pois essa novel
medida perderia sempre a sua eficácia
por decurso de prazo.
Frente a essa situação, o Poder Executivo, na tentativa de conferir uma maior
eficácia à medida provisória, passou a
reeditá-la. E a cúpula do Poder Judiciário, imbuída também da necessidade de
interpretar a Constituição de molde a
não deixar a medida provisória entravada, passou a admitir a sua reedição.
O uso da medida provisória, desse
modo, tornou-se praticamente franqueado a toda a sorte de interesses, ganhando proporções não imaginadas pelo constituinte de 1988.
Pretende-se, agora, corrigir esse erro
por meio da edição de uma emenda à
Constituição que modifique esse estado
de coisas. Todavia o projeto de emenda
constitucional nš 472/97 não resolve o
problema fundamental da medida provisória, qual seja, a questão de sua apreciação pelo Poder Legislativo. A solução
ideal parece consistir num reexame das
competências do próprio Congresso
Nacional. É dizer, faz-se necessário, que
ele sofra algum tipo de restrição, assim
como ocorre em outros países.
Na Itália, por exemplo, em caso de
não apreciação da medida, torna-se
possível ao Poder Executivo fazer valer
a sua competência de dissolver o Parlamento e, ao final, regular a matéria segundo a vontade de um Legislativo renovado democraticamente.
Não basta, portanto, mudar o prazo
de vigência da medida provisória de 30
para 60 dias ou limitar a sua reedição a
uma única vez, como parece ser o caso
da referida proposta de emenda. Essa,
por sua vez, só será eficiente se prever
alguma sorte de ameaça de dissolução
do Congresso Nacional, caso esse se torne um estorvo para a apreciação do mérito da medida provisória.
Tem-se procurado, nos últimos anos,
assegurar a independência dos poderes.
Acontece, entretanto, que as coordenadas fundamentais do órgão estatal não
devem residir apenas na independência
de cada um, mas também na implantação de uma harmonia entre eles.
Celso Ribeiro Bastos, 62, professor do curso de
pós-graduação em direito da PUC-SP e diretor-geral do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional). E-mail: ibdc@ibdc.com.br
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