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CLÓVIS ROSSI
Tradicional, crônico, bárbaro
SÃO PAULO - O telejornal da véspera mostra ruas alagadas de São
Paulo e diz que o bairro é ponto
"tradicional" de enchentes.
Já a Folha prefere falar em "30
pontos crônicos de alagamento".
O que deveria ser uma anomalia
-a água invadir áreas de uma cidade, muitas delas centrais- já não se
vê como tal. Virou "tradição".
Os conformistas até poderão dizer que chuvas excepcionais causam enchentes em qualquer lugar
do mundo, o que é verdade. Mas, no
relato de Kleber Tomaz, nesta
Folha, cinco minutos "foi o tempo
que levou para a água acumulada
da chuva atingir um metro e meio
de altura em pontos de grande movimentação no centro de São Paulo,
inundar imóveis, cobrir carros estacionados e deixar um rastro de
sujeira". Não houve, portanto, um
tsunami, mas cinco minutos de
chuva, ainda que forte.
Significa o seguinte: nem o poder
público nem o próprio público parecem se incomodar com uma anomalia que virou "tradicional", "crônica", como se queira chamá-la.
Entra prefeito, sai prefeito, entra
governador, sai governador, entra
presidente, sai presidente, e a "tradição" se mantém impávida, como
se alagamentos fossem uma determinação divina contra a qual é inútil lutar.
Repete-se o fenômeno com a criminalidade: o país foi se habituando a que o poder público e a própria
cidadania cedessem espaços para o
crime organizado e para a violência, até a desorganizada.
A anomalia (o crime) passou a fazer parte das "tradições" brasileiras, ao menos nas grandes cidades
(e cada vez mais em cidades médias
ou pequenas).
É tolice supor que, quando a anomalia vira "tradição", fica do mesmo tamanho. Ao contrário, aceitá-la só abre caminho para a barbárie.
A morte, no Rio, do menino arrastado do lado de fora de um carro
roubado, é crime bárbaro, filho natural da "tradição".
crossi@uol.com.br
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