São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Tradicional, crônico, bárbaro

SÃO PAULO - O telejornal da véspera mostra ruas alagadas de São Paulo e diz que o bairro é ponto "tradicional" de enchentes. Já a Folha prefere falar em "30 pontos crônicos de alagamento". O que deveria ser uma anomalia -a água invadir áreas de uma cidade, muitas delas centrais- já não se vê como tal. Virou "tradição".
Os conformistas até poderão dizer que chuvas excepcionais causam enchentes em qualquer lugar do mundo, o que é verdade. Mas, no relato de Kleber Tomaz, nesta Folha, cinco minutos "foi o tempo que levou para a água acumulada da chuva atingir um metro e meio de altura em pontos de grande movimentação no centro de São Paulo, inundar imóveis, cobrir carros estacionados e deixar um rastro de sujeira". Não houve, portanto, um tsunami, mas cinco minutos de chuva, ainda que forte.
Significa o seguinte: nem o poder público nem o próprio público parecem se incomodar com uma anomalia que virou "tradicional", "crônica", como se queira chamá-la. Entra prefeito, sai prefeito, entra governador, sai governador, entra presidente, sai presidente, e a "tradição" se mantém impávida, como se alagamentos fossem uma determinação divina contra a qual é inútil lutar. Repete-se o fenômeno com a criminalidade: o país foi se habituando a que o poder público e a própria cidadania cedessem espaços para o crime organizado e para a violência, até a desorganizada. A anomalia (o crime) passou a fazer parte das "tradições" brasileiras, ao menos nas grandes cidades (e cada vez mais em cidades médias ou pequenas).
É tolice supor que, quando a anomalia vira "tradição", fica do mesmo tamanho. Ao contrário, aceitá-la só abre caminho para a barbárie. A morte, no Rio, do menino arrastado do lado de fora de um carro roubado, é crime bárbaro, filho natural da "tradição".

crossi@uol.com.br


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