|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Transparência no cartão
FERNANDO MATTOS
Os dados, registros e informações não pertencem ao Estado, mas aos cidadãos, que
são os titulares do poder
O ATUAL episódio dos cartões
corporativos coloca em destaque questão da mais alta relevância que não despertou, ainda, a devida atenção da sociedade brasileira.
Trata-se do acesso à informação,
direito fundamental estabelecido no
Brasil apenas com a edição da Constituição de 1988: "todos têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral (...), ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado" (artigo 5º, XXXIII).
Mesmo em outros países, o direito
de acesso à informação é tema recente. O Brasil ressente-se da ausência de
uma efetiva normatização desse direito. O problema maior, todavia, é a
falta de cultura da sociedade quanto
ao direito de acesso às informações
públicas e ao dever dos agentes públicos de fornecê-las.
O direito de acesso à informação,
aliado ao princípio da publicidade no
ambiente da administração pública
(artigo 37, "caput", da Constituição),
impõe ao agente público a observância da cláusula da máxima informação, preceito próprio das democracias. Isso rompe com a cultura do segredo governamental, que era a nossa
praxe durante o regime ditatorial de
triste memória.
Nesse novo paradigma jurídico, os
dados, registros e informações, especialmente os relativos à execução do
Orçamento, não pertencem ao Estado, mas aos cidadãos, que são os titulares do poder. Dessa forma, assegura-se a transparência necessária da
gestão pública, para fins de materialização da democracia participativa, no
que se refere à fiscalização por parte
da sociedade. Inibe-se a corrupção, ao
ampliar sobremaneira a possibilidade
de fiscalização.
Além do dever de atender aos pedidos de informação, o agente público
tem o dever de franquear o acesso ao
banco de dados eletrônicos dos órgãos públicos, dotado de ferramenta
de pesquisa de conteúdos que possibilite o pleno, rápido, eficiente e simplificado acesso aos documentos e às
informações, principalmente no que
diz respeito aos gastos públicos.
O site Portal Transparência da
CGU (Controladoria Geral da União),
de acesso público, que possibilitou o
conhecimento da farra do cartão corporativo, revela a importância desse
dever do agente público e a necessidade de sua ampliação e disseminação
entre todos os órgãos públicos.
O preocupante é que, devido à repercussão do episódio, o governo determinou a retirada do mencionado
site dos dados referentes às despesas
com alimentação em nome da Presidência da República, sob o argumento
de que isso se daria para preservar a
segurança do Estado.
É fato que o direito de acesso à informação, de acordo com a norma
constitucional, sofre restrição se e
quando o sigilo for imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.
É evidente, porém, que o administrador não pode, ao seu bel-prazer, fazer essa classificação para, assim, sonegar informação à sociedade quanto
a determinados atos, especialmente
quando se trata de despesa feita por
meio de cartão corporativo, instrumento hábil para facilitar a realização
de pequenas despesas que não exigem
licitação, mas que, como os fatos recentes ensinam, incentiva a sua utilização para gastos inadmissíveis com o
dinheiro público.
Compras em "free shops", supermercados, vinícolas etc., obviamente,
não são informações que comprometem a segurança da sociedade ou do
Estado.
Espera-se que o Parlamento investigue os fatos e, mais ainda, que legisle
sobre a matéria.
O projeto de lei 219/03, que regulamenta o direito de acesso à informação, está pronto para votação no plenário da Câmara dos Deputados.
Conquanto mereça alguns reparos,
que ainda podem ser feitos, o referido
projeto de lei representa sensível
avanço em relação ao tema e tem o
mérito de colocar parâmetros para as
restrições ao exercício desse direito
fundamental. Que o episódio contribua para difundir a cultura do acesso
à informação, ampliando-a, e não para restringi-la, como infelizmente
quer o governo.
FERNANDO MATTOS, 34, mestre em direito público pela
Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é vice-presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) na 2ª Região e juiz federal em Vitória (ES).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Patrus Ananias: O Bolsa Família e a política de juventude Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|