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São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O desenvolvimento sustentável da Amazônia

VIRGÍLIO VIANA

O Estado do Amazonas está determinado a implementar uma política de desenvolvimento sustentável voltada para a conservação de nossas florestas e a melhoria da qualidade de vida das populações rurais, com especial atenção aos segmentos extremamente empobrecidos. Já temos 45% do Estado -cerca de 70 milhões ha- de áreas protegidas. Trata-se de tarefa desafiadora e de grande responsabilidade.
O desenvolvimento sustentável surgiu, no final da década de 80, como um novo paradigma para nortear políticas de longo prazo. Em poucas palavras, significa melhorar a qualidade de vida dos que vivem hoje, sem prejudicar as próximas gerações. Significa considerar não apenas as dimensões econômicas e sociais do desenvolvimento. Implica a incorporação de objetivos ecológicos, como a conservação dos recursos hídricos e a atenuação das mudanças do clima. Sem isso não haverá um futuro promissor para todos, ricos ou pobres.
Traduzir o ideário do desenvolvimento sustentável em ações práticas e coerentes não é tarefa fácil. Significa uma mudança drástica no nosso estilo de desenvolvimento. Tomemos o caso das florestas brasileiras, que vêm sendo tratadas como um garimpo e um estorvo. Como garimpeiros, saqueamos nas florestas as suas madeiras nobres, palmitos e orquídeas, para depois atearmos fogo no resto. Como desbravadores, vemos o "mato" como sinônimo de atraso, um estorvo no caminho do progresso a ser materializado na forma de pastos e plantações.
Na Amazônia estamos fazendo o mesmo. Substituindo florestas por pastos e plantações. Isso não é sustentável. Ao desmatarmos de forma indiscriminada, destruímos nossos rios, ficamos sem peixes e terminamos com racionamento de água e energia hidroelétrica. Além disso, contribuímos para a mudança do clima, como resultado da fumaça que cobre os nossos céus, e deixamos de produzir madeiras, palmitos, orquídeas etc. Muitas espécies são perdidas sem ao menos serem descritas por pesquisadores. Para agravar o quadro, tornamos impossível a permanência da população rural no interior, que migra rumo às cidades, compondo um quadro desolador de miséria e violência nas capitais.
Ainda há tempo para que a Amazônia não repita a história da mata atlântica. Existem, felizmente, alternativas. É necessário mudar os pressupostos das políticas públicas e os valores de cada um de nós. O desenvolvimento pode, sim, ser feito com a manutenção das florestas. Entretanto isso não deverá ser resultado do altruísmo dos indígenas ou empresários. Necessitamos de políticas públicas capazes de mudar a lógica econômica do desmatamento. A equação é simples. A manutenção das florestas deve ser economicamente mais rentável do que os benefícios do garimpo florestal e da agropecuária. Para isso, o produtor rural tem de obter maiores rendimentos dos produtos florestais madeireiros e não-madeireiros e dos serviços ambientais prestados por suas florestas.


Conservar a Amazônia é uma tarefa urgente. É melhor que a façamos nós mesmos, antes que nos julguem incapazes


É inadmissível que indígenas, ribeirinhos e colonos, moradores de ecossistemas riquíssimos, sejam miseráveis e dependam de políticas assistencialistas. É também inadmissível que essas populações sejam forçadas a desmatar, a fim de melhorar o seu bem-estar.
Para enfrentar esse desafio, estamos fazendo o óbvio: promoção da regularização fundiária daqueles que não possuem título da terra; fornecimento de assistência técnica para o manejo florestal; implementação de florestas públicas de produção; criação linhas de crédito para pequenos e médios empreendedores florestais; extensão dos benefícios fiscais e tributários da indústria convencional para os produtores florestais; geração de energia elétrica limpa, a partir de resíduos florestais; utilização das frutas da floresta na merenda escolar; uso das plantas medicinais nos programas de saúde pública; apoio à agricultura familiar com sistemas agroflorestais; manejo dos recursos pesqueiros e promoção da piscicultura; treinamento e profissionalização dos trabalhadores florestais; desenvolvimento da base científica e tecnológica para a modernização de atividades florestais; etc.
Esse desafio só será possível com uma ampla parceria de toda a sociedade. Precisamos aumentar o consumo de produtos florestais madeireiros e não-madeireiros da Amazônia, valorizando especialmente os que possuem selo verde ou orgânico. Isso pode ser feito por consumidores, individualmente, ou através da política de compra de empresas, prefeituras, Estados e União. Precisamos desenvolver mecanismos para o pagamento pelos serviços ambientais das florestas ao produtor rural. Menores impostos, crédito mais barato, reconhecimento da propriedade intelectual dos povos indígenas e populações tradicionais...
Isso deve ser feito com políticas públicas coerentes com o desenvolvimento sustentável. Necessitamos de um engajamento vibrante de nossas universidades e instituições de pesquisa: sobre isso devem se debruçar nossos melhores cérebros. Precisamos atrair os mais competentes empresários para os negócios sustentáveis. Necessitamos de novas e mais amplas alianças com aqueles comprometidos com a sustentabilidade. Precisamos de uma ação coordenada e estratégica com nossos países vizinhos. Conservar a Amazônia é uma tarefa urgente. É melhor que a façamos nós mesmos, antes que nos julguem incapazes e questionem nossa soberania.

Virgílio M. Viana, 42, engenheiro florestal e doutor pela Universidade Harvard (EUA), é secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas.


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