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CARLOS HEITOR CONY
Lamber sabão
RIO DE JANEIRO - Um avião de
companhia peruana, com os equipamentos sofisticados, de última
geração, inclusive com oito computadores interligados ao gigantesco
computador central na torre de um
aeroporto supermoderno, de repente ficou voando sozinho, sem
nenhum comando. Os pilotos nada
podiam fazer. Manche, pedais, alavancas e botões estavam travados
pela pane inesperada e irreversível.
Há uma piada no meio aeronáutico: na cabine de comando de um
avião do futuro, só haverá instrumentos, um piloto e um cachorro.
Por que o cachorro? Se o piloto tentar mexer em algum instrumento, o
cachorro não deixará.
Dos aviões passo para a vida geral. Cada vez mais a era digital nos
penetra, programando aquilo que
podemos e devemos fazer, deixando uma estreita faixa para o que
realmente queremos fazer. E o que
é pior: programando inclusive
aquilo que devemos querer fazer.
Na hora de escolher um sorvete de
manga ou abacaxi, minha vontade
de nada me servirá: estarei programado para, naquela circunstância,
preferir um ou outro sorvete.
Vamos dar de barato que a programação seja correta, necessária,
saudável, urgente, que todas as
coordenadas tenham sido previstas, analisadas e resolvidas para o
meu bem-estar moral e material e
para o meu prazer. Muito bem. Basta um chip entrar em pane e tudo se
esboroa.
Vou tomar um sorvete de manga
ou abacaxi, milhões de circuitos internos estão procurando determinar a escolha que devo fazer naquele momento -e eis que o chip avariado me ordena, literalmente, lamber sabão.
Não tendo sabão à vista, saio a
procura de um banheiro público.
Com sorte, encontro um que tem
um pedaço diáfano de sabão grosseiro, e lá fico eu, lambendo aquilo.
A hipótese, como o sabão, é também grosseira. Mas não deixa de ser
possível.
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