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OTAVIO FRIAS FILHO
Paulistas
A insurreição paulista contra o
governo Vargas, da qual se comemorou mais um aniversário ontem,
está gravada em pedra no obelisco erigido em honra de seus mártires e congelada numa memória oficial, cívica,
que se repete a cada ano. Esse é o destino dessas grandes datas: seu significado se petrifica justamente por obra da
reiteração que deveria reavivá-lo.
"Viveram pouco para morrer bem/
morreram jovens para viver sempre."
Os versos são do poeta Guilherme de
Almeida, ele próprio um canhestro
voluntário na frente de batalha de Cunha, a perguntar como se segura "a espingarda", ou seja, o fuzil. Houve muitas mortes (830, segundo estimativas
conservadoras), no entanto, nessa que
foi nossa única guerra civil num século cheio de revoluções de araque.
Sempre que um bando de pessoas
caminha para a morte em nome de
idéias somos tomados por um misto
de respeito e perplexidade. Essa reação é ainda mais forte numa época em
que o cálculo egoísta é o único critério
para todas as coisas, em que a expectativa de uma vida longa torna ainda
mais aconselhável conservá-la, numa
época de covardes, talvez, como é a
nossa.
A Revolução Constitucionalista, como ficou pomposamente conhecida,
pode não continuar viva nas efígies e
nos poemas épicos. Segue ativa, porém, nas lembranças dos que tiveram
o privilégio de sobreviver a ela e ainda
na projeção histórica dessa memória
coletiva, nas modas da historiografia,
que oscilam, como toda moda, de maneira pendular.
Nem se deveria dizer que esse movimento é frívolo, pois as diferentes interpretações históricas de um fenômeno, conforme se sucedem negando cada uma a anterior, na verdade se enriquecem e complementam. A Revolução de 32 passou por pelo menos três
dessas interpretações. Cada uma correspondeu a um valor que prevalecia
na época de sua formulação.
A primeira dessas imagens cristalizou-se a quente, durante os eventos e
nos anos seguintes. A revolta aparece
envolta em bandeiras e clarins como
testemunho da bravura indômita do
povo bandeirante. O valor que preside
a essa interpretação é o de honra patrícia, ligada ao pertencimento a uma
terra de homens livres, que repelem o
despotismo da capital (e do sul).
Ao longo dos anos 50 e 60, disseminou-se uma crítica sociológica daquela primeira visão, digamos, literária.
Conforme crescia o prestígio da Revolução de 30 como marco da modernização do Estado no Brasil, fixava-se a
imagem da Revolução de 32 como
movimento reacionário, articulado
pelos derrotados na queda da República Velha, não por acaso no Estado
que fora seu bastião.
Mais recentemente, porém, voltou-se a enfatizar o caráter democrático de
32. O que antes pareceu formalismo
jurídico hoje é visto como arcabouço
sem o qual não existe democracia nem
liberdade. Em contraste com a imagem de conspiração oligárquica (que
ela também foi), a Revolução Constitucionalista contou com um respaldo
de massas inédito num país ainda
agrário.
Ela foi inovadora num aspecto que
chamaríamos midiático, com o uso
intensivo do rádio, da imprensa, da
música e do cartaz modernista. Criou
uma mobilização ideológica forte o
bastante para que, nos bondes, mulheres cedessem seu lugar a homens
com idade para combater, na ironia
de um machismo invertido. Foi uma
revolução de idéias, popular e democrática, que adiou a ditadura de Vargas.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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