|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
A estátua e o gesto
RIO DE JANEIRO - Não chega a
ser um objeto de culto, não pertence a nenhuma religião específica,
embora tenha o visual e o nome do
fundador de uma delas. Na verdade,
é um bloco de cimento rude revestido de pequenas escamas, como as
naves espaciais. Um gigante de
muitos metros de altura, com os
braços abertos, incansavelmente
abertos apesar do gesto, não lembra
uma cruz, mas um abraço.
Tem fama de ser a maior estátua
do mundo, e talvez o seja. De tal maneira se integrou ao pedestal um
penhasco negro e formidável que o
conjunto é, de longe, um dos maiores momentos criados pela parceria
do homem com a natureza.
O carioca se habituou a ele e ele se
habituou ao carioca. Em todos os
sentidos, é um carioca, incorporou-se a seu cotidiano e ao seu anedotário. Ateus, budistas, comunistas, judeus -todos concordam que ele é a
cara do Rio.
É o primeiro a enfrentar nossos
temporais, o primeiro a ouvir os
tamborins dos morros nas vésperas
do Carnaval, o primeiro a ouvir o tiroteio de nossas ruas, o primeiro a
lamentar nossas enchentes e misérias.
Se formos um dia destruídos por
uma catástrofe, natural ou provocada, ele será a primeira vítima, o primeiro a morrer, com os seus imensos braços abraçando a todos nós. É
da Lagoa que se tem a visão fantástica de seu pedestal de granito.
É na Lagoa que ele se reflete durante o dia, cercado de azul. E fosforescente como uma sereia iluminada, passeia nas águas escurecidas
pela noite.
Referência maior da cidade, é referência particular da Lagoa. Todos
o sabem ali, inarredável, oferecendo-se como um símbolo, um altar
doméstico, uma âncora às avessas,
jogada contra o céu. (Do livro "Lagoa", série Cantos do Rio, Relume
Dumará, 2000)
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: À sombra Próximo Texto: Marcos Nobre: Neocons Índice
|