São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2008

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Editoriais

Fruto do mensalão

Prisão de 17, em caso derivado do escândalo da compra de votos, traz conexões entre grandes negócios e a alta política

A POLÍCIA Federal foi longe com a Operação Satiagraha -a começar do nome em sânscrito, "apego à verdade", o ascetismo não-violento preconizado por Mohandas Gandhi. Se é difícil enxergar contato entre o conceito, impregnado de religiosidade hinduísta, e a estrepitosa detenção de 17 pessoas, na terça-feira, por suspeita de crimes financeiros no Brasil, é fácil vislumbrar que se está diante de um caso de grandes proporções e potencial explosivo.
O banqueiro Daniel Dantas e parte da cúpula do banco Opportunity, que fundou, foram presos pela PF. O juiz que ordenou as detenções provisórias acatou o argumento da Procuradoria, de que os investigados poderiam obstar o recolhimento de provas pela polícia se estivessem livres durante o período de diligências -embora seja ilusório achar que pessoas poderosas precisem estar fisicamente soltas para agir nesse sentido.
A polícia e o Ministério Público afirmam ter recolhido, contra o núcleo de Dantas, indícios dos crimes de evasão de divisas, formação de quadrilha, gestão fraudulenta e corrupção ativa. Numa outra ponta da investigação, PF e Procuradoria dizem ter indícios de crimes como o de lavagem de dinheiro e uso de informação privilegiada contra um grupo de pessoas em torno do investidor Naji Nahas, entre os quais aparece o nome de Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo. A prisão de Nahas, Pitta e de mais nove integrantes desse suposto núcleo também foi decretada.
As conexões entre a política e os negócios de Daniel Dantas não são fortuitas. O banqueiro fez fama e fortuna em complexas e polêmicas operações durante as privatizações levadas a termo no governo de Fernando Henrique Cardoso. Seu método de atuação se valeu da aproximação com figuras-chave da gestão tucana, estratégia que repetiu durante a administração de Luiz Inácio Lula da Silva.
O que deu início à Operação Satiagraha, vale lembrar, foram os trabalhos da CPI dos Correios sobre as fontes de financiamento do mensalão -apuração que, no Congresso, foi prejudicada, dada a influência do fundador do Opportunity sobre parlamentares de várias siglas. A comissão constatou que empresas nas quais o banco detinha participações foram importante fonte de recursos para o esquema de pagamento a deputados gerenciado por Marcos Valério de Souza, sob comando da cúpula petista.
O escândalo do mensalão, contudo, também serviu para inaugurar um padrão de acobertamento de falcatruas envolvendo políticos no país. Quando se descobriu que o valerioduto havia feito sua "avant-première" na campanha do PSDB para o governo de Minas, em 1998, o ímpeto investigativo foi ferido de morte. Situação e oposição passaram a ter menos interesse em que a verdade fosse revelada.
Agora que mais um desdobramento daquele escândalo passa para a esfera judicial, espera-se que os chamados operadores do direito consigam imunizar-se contra pressões políticas -seja as que pretendem dissimular crimes, seja as que se pautam pela sede de vingança e atropelam o direito à ampla defesa. Que se faça, apenas, Justiça.


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