|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
Fruto do mensalão
Prisão de 17, em caso derivado do escândalo da compra de votos, traz conexões entre grandes negócios e a alta política
A POLÍCIA Federal foi
longe com a Operação
Satiagraha -a começar
do nome em sânscrito,
"apego à verdade", o ascetismo
não-violento preconizado por
Mohandas Gandhi. Se é difícil
enxergar contato entre o conceito, impregnado de religiosidade
hinduísta, e a estrepitosa detenção de 17 pessoas, na terça-feira,
por suspeita de crimes financeiros no Brasil, é fácil vislumbrar
que se está diante de um caso de
grandes proporções e potencial
explosivo.
O banqueiro Daniel Dantas e
parte da cúpula do banco Opportunity, que fundou, foram presos
pela PF. O juiz que ordenou as
detenções provisórias acatou o
argumento da Procuradoria, de
que os investigados poderiam
obstar o recolhimento de provas
pela polícia se estivessem livres
durante o período de diligências
-embora seja ilusório achar que
pessoas poderosas precisem estar fisicamente soltas para agir
nesse sentido.
A polícia e o Ministério Público
afirmam ter recolhido, contra o
núcleo de Dantas, indícios dos
crimes de evasão de divisas, formação de quadrilha, gestão fraudulenta e corrupção ativa. Numa
outra ponta da investigação, PF e
Procuradoria dizem ter indícios
de crimes como o de lavagem de
dinheiro e uso de informação
privilegiada contra um grupo de
pessoas em torno do investidor
Naji Nahas, entre os quais aparece o nome de Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo. A prisão de
Nahas, Pitta e de mais nove integrantes desse suposto núcleo
também foi decretada.
As conexões entre a política e
os negócios de Daniel Dantas
não são fortuitas. O banqueiro
fez fama e fortuna em complexas
e polêmicas operações durante
as privatizações levadas a termo
no governo de Fernando Henrique Cardoso. Seu método de
atuação se valeu da aproximação
com figuras-chave da gestão tucana, estratégia que repetiu durante a administração de Luiz
Inácio Lula da Silva.
O que deu início à Operação
Satiagraha, vale lembrar, foram
os trabalhos da CPI dos Correios
sobre as fontes de financiamento
do mensalão -apuração que, no
Congresso, foi prejudicada, dada
a influência do fundador do Opportunity sobre parlamentares
de várias siglas. A comissão constatou que empresas nas quais o
banco detinha participações foram importante fonte de recursos para o esquema de pagamento a deputados gerenciado por
Marcos Valério de Souza, sob comando da cúpula petista.
O escândalo do mensalão, contudo, também serviu para inaugurar um padrão de acobertamento de falcatruas envolvendo
políticos no país. Quando se descobriu que o valerioduto havia
feito sua "avant-première" na
campanha do PSDB para o governo de Minas, em 1998, o ímpeto investigativo foi ferido de
morte. Situação e oposição passaram a ter menos interesse em
que a verdade fosse revelada.
Agora que mais um desdobramento daquele escândalo passa
para a esfera judicial, espera-se
que os chamados operadores do
direito consigam imunizar-se
contra pressões políticas -seja
as que pretendem dissimular crimes, seja as que se pautam pela
sede de vingança e atropelam o
direito à ampla defesa. Que se faça, apenas, Justiça.
Próximo Texto: Editoriais: Excessos policiais
Índice
|