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RUY CASTRO
Cérebro com pernas
RIO DE JANEIRO - Paul, o polvo inglês de dois anos e meio, cidadão
de um aquário em Oberhauser, no
norte da Alemanha, previu ontem
que a Espanha baterá a Holanda e
levará a Copa. Previu também que a
Alemanha ganhará hoje do Uruguai e ficará em 3º lugar, magro
consolo para quem já se imaginava
mais uma vez campeão mundial.
Paul acertou todos os seus palpites na Copa até agora, e é isto que
está injuriando os alemães -porque, depois de adivinhar os bons
resultados da Alemanha nas primeiras fases, o polvo prognosticou
que ela seria derrotada na semifinal. O que, pela já notória infalibilidade do molusco, teria abatido o
moral dos jogadores contra a Espanha e os levado a perder. Em retaliação, os alemães querem comer o
polvo com salada de batata.
Tal reação, puramente emocional, não faz justiça a um povo que,
nos últimos 500 anos, nos deu Lutero, Kant, Hegel, Schopenhauer,
Marx, Engels, Nietzsche, Freud, Lukács, Walter Benjamin, Heidegger e
Adorno, sem os quais o ser humano
teria de ser levado ainda menos a
sério. E isso para ficarmos apenas
nos filósofos de carteirinha, porque, na Alemanha, qualquer poeta,
dramaturgo, músico, designer ou
vendedor de chicletes de bola é capaz de produzir uma vibrante "Weltanschauung" sobre a "Weltschmerz" -uma visão do mundo pelo
tédio, desencanto e depressão, ou
coisa parecida.
Que os alemães acreditem num
polvo vidente é normal -afinal,
anatomicamente, um polvo é quase
um cérebro com pernas, definição
que se poderia aplicar também a
seus pensadores. O injusto é que,
por revanchismo, queiram jogar sobre os tentáculos do bicho o custo
da derrota na Copa.
Se as ameaças a Paul continuarem, o Brasil deveria oferecer-lhe
asilo e emprego num instituto de
pesquisa. Com a corrida presidencial sujeita a tantas variantes, o palpite do polvo seria tiro e queda.
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