São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Entre a cruz e a espada

Vinte e quatro horas após a dupla vitória do presidente George W. Bush ao fazer maioria na Câmara e no Senado dos Estados Unidos, o Federal Reserve fez uma dramática redução dos juros básicos, baixando de 1,75% para 1,25% ao ano. Quinze dias antes da eleição do novo presidente da República do Brasil, o Banco Central aumentou os juros básicos de 18% para 21% ao ano.
São dois extremos do mesmo mundo globalizado. Nos Estados Unidos, as autoridades monetárias são levadas a baixar os juros para ativar a economia e evitar a deflação. No Brasil, elas têm de elevar os juros para desativar a economia e segurar a inflação.
Os Estados Unidos estão com juros negativos -bem abaixo da inflação, estimada em 1,5% para 2002. O Brasil está com juros absurdamente positivos -bem acima da inflação, estimada em 8% para o mesmo ano. Quem aplica em títulos do governo na América perde, no mínimo, 0,25% ao ano; no Brasil, ganha, no mínimo, 13% ao ano.
Com juros tão negativos, é normal que muitos investidores americanos comecem a procurar outros países para fazer o seu capital render. No passado, eles corriam para o Brasil para fazer investimentos especulativos do tipo "bicicleta" -que iam e vinham conforme a rentabilidade do mês, da semana ou do dia.
Sempre condenamos esses investimentos porque em nada contribuíam para aumentar a oferta de produtos, as exportações e a geração de empregos -o que só pode ser conseguido com investimentos produtivos de longa duração.
O fato é que, agora, nem mesmo os especuladores se animam a vir para cá -apesar dos juros negativos dos Estados Unidos e positivos aqui.
Ninguém, em sã consciência, deve se lamentar por ter perdido a participação dos especuladores na ciranda financeira do Brasil. Mas o seu desaparecimento chega a preocupar.
Se nem os capitais especulativos vêm para o Brasil, o que esperar dos capitais produtivos?
Está aí um dos maiores desafios do novo governo: restaurar a credibilidade na economia brasileira e atrair para o país investidores que apliquem em atividades produtivas. Tudo indica que só chegaremos nesse ponto depois dos governantes provarem por a + b que vão fazer as reformas da Previdência, tributária e trabalhista.
É com base nessas reformas que poderemos enfrentar os graves problemas sociais que afetam a maioria dos brasileiros. Serão elas que darão a "senha" aos capitais produtivos, deixando claro que o Brasil está realmente disposto a consertar seus desequilíbrios e a explorar suas potencialidades internas e externas.
Esses temas podem entreter os participantes do chamado pacto social, mas a solução técnica, política e definitiva terá de ser dada pelos integrantes do Congresso Nacional. Eles são os legítimos protagonistas para realizar as reformas. Os demais são atores coadjuvantes.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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