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Direitos ameaçados
Facilidade com que se quebram sigilos no país abre as portas a extorsões e ameaças; já passa da hora de fechá-las
O QUE ressalta, no episódio da quebra do sigilo
de uma linha telefônica desta Folha, é a leviandade com que agentes públicos tratam as garantias constitucionais no país. Ainda que não se
demonstre intenção da Polícia
Federal de bisbilhotar o trabalho
jornalístico, o caso constitui inequívoca violação do sigilo de fonte. Lança luz, ademais, sobre
uma gravíssima rotina na relação entre policiais e juízes que
precisa mudar.
Duas linhas deste jornal foram
incluídas pela PF em um pedido
de quebra de sigilo de 169 números, a título de investigar o escândalo do dossiê eleitoral. Motivou a solicitação à Justiça, diz o
delegado titular do caso, o fato
de os números da Folha estarem
na memória de chamadas de um
celular usado por um suspeito de
negociar os papéis contra tucanos. Tão logo constatou tratar-se
de uma linha do jornal e de ligações sem conexão possível com a
negociata, a PF descartou essa
via de investigação, diz o policial.
A versão oficial tem dois problemas. O primeiro diz respeito
à sua difícil harmonização com
outro fato: se é verdade que os
telefones da Folha deixaram de
ser investigados, por que um ramal do jornal constava de um relatório de inteligência formulado pela Polícia Federal?
O segundo ponto a questionar
é uma falha grave de procedimento. Por que a polícia se preocupou em saber que o número
telefônico pertencia à Folha e
não tinha ligação com a falcatrua
somente após o sigilo do jornal
ter sido quebrado? Seu dever
era, de posse dos números armazenados no celular do suspeito,
fazer uma apuração prévia para
saber quais conexões mereciam
ser aprofundadas.
Uma solicitação de quebra de
sigilo telefônico tão pouco embasada e genérica deveria ter sido rechaçada na Justiça. Mas
não: a ruptura de garantias constitucionais foi tratada como um
ato burocrático banal. E o pior é
que o episódio que envolveu este
jornal não é exceção.
O despreparo e o comodismo
de policiais que confundem investigação com quebra de sigilo a
mancheias, endossados pela atitude de Pilatos de muitos juízes,
constituem ameaça constante
aos direitos dos cidadãos no Brasil. Essa rotina defeituosa é explorada à exaustão por bandidos
infiltrados no poder público, em
busca de munição para extorquir
e intimidar.
Por essa brecha, há cinco anos
grampearam-se mais de 200 telefones na Bahia -entre os alvos
estavam adversários do senador
Antonio Carlos Magalhães. Em
2001, o procurador federal Luiz
Francisco de Souza solicitou à
Justiça dados sigilosos de um
desafeto ao incluir seu CPF num
pedido relativo a outra apuração.
São dois exemplos célebres de
uma deturpação cotidiana que
deságua em extorsão e ameaças
em todas as regiões do país. Passa da hora de fechar as portas a
esse abuso. É preciso restaurar
nos cidadãos a segurança de que
as autoridades zelam por seus
direitos fundamentais.
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