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São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

"Spreads"

Como observou o velho doutor Johnson, "quando dois ingleses se reúnem, a primeira conversa é sobre o tempo", ao que alguém depois acrescentou, maldosamente, "mas não fazem nada para modificá-lo!". Isso no século 18. No Brasil do século 21, somos mais sofisticados: quando dois brasileiros se reúnem, a primeira conversa é sobre o "spread" bancário e sempre se diz que se está fazendo alguma coisa para reduzi-lo! Em 1999, o Banco Central apresentou um volumoso e cuidadoso estudo sobre o tema e quase uma centena de sugestões. Um bom número delas foi implementado, mas, quase quatro anos depois, praticamente nada mudou: com bom ou mau desempenho econômico, com maior ou menor taxa de inflação, o nível dos "spreads" bancários resistiu a todas as conversas. O Brasil continua a amargar uma das mais elevadas taxas de juros reais do mundo, e o sistema financeiro instalado no país dirige ao setor privado um volume de crédito que não chega a um terço do PIB, certamente um dos menores do mundo!
Os estudos que distribuem o "spread", contabilizado na forma de 1. margem líquida do banco: 40,1%; 2. impostos diretos: 20,6%; 3. cobertura da inadimplência: 17,0%; 4. despesas administrativas: 14,1%, e 5. impostos indiretos: 7,9%, não podem "explicar" porque o "spread" é tão alto, pois envolvem uma tautologia. Da mesma forma, os estudos econométricos mais sofisticados, que tentam negar a possibilidade de que a alta concentração bancária, combinada com um governo profundamente endividado, reduza, de fato, a competição e dê respeitável poder econômico ao sistema financeiro, são seriamente inconclusivos. Isso tem desviado a atenção do BC (e do governo) do problema e criado uma visível má vontade social em relação ao sistema financeiro. É tempo, pois, de enfrentar o problema com um pouco mais de isenção e maior disposição de modificar a situação.
É evidente que:
1º) o "spread" incorpora os benefícios transferidos internamente ao setor privado. Perto de 40% do crédito bancário é "direcionado" com taxas de juros ativas inferiores às passivas. Isso agrava as restrições produzidas pelo gigantesco "compulsório";
2º) a concentração bancária e as altas exigências da renovação do endividamento público (e a existência de papéis cambiais) dão um poder excepcional ao setor, que pode escolher a aplicação "sem risco", além de proteger-se da flutuação cambial, o que "explica" boa parte de seus extraordinários ganhos;
3º) o nível de tributação das operações financeiras (direta e indireta) pode dar algum conforto ao Tesouro Nacional, mas aumenta os custos de transação e cobra um alto preço à taxa de crescimento real do PIB.
Isso sugere o que estamos perdendo por não fazermos uma verdadeira "reforma tributária" que amplie a base imponível, elimine as distorções alocativas e reduza a carga total, tornando possível atrair para a formalidade o grande Brasil informal. A redução do "spread" exige uma política mais ativa do Banco Central e do governo, que deveria: 1) estimular um sério aumento da competição no setor (reduzindo suas despesas administrativas e as margens); 2) providenciar a legislação que falta para reduzir a inadimplência; 3) diminuir a tributação direta e 4) diminuir dramaticamente o uso dos antiquados "compulsórios", efetuando o controle monetário por outros meios.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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