São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Falta de critérios


Com escassa exigência de contrapartidas, governo patrocina negócios que não elevam vantagens comparativas do país


O TERMO política industrial em geral se refere a ações de governo destinadas a desenvolver cadeias produtivas de alto conteúdo tecnológico. O aumento da escala e a inovação são essenciais para que os novos setores sejam competitivos e se perenizem. Para que esse processo funcione, é necessária a colaboração entre governo e setor privado. Mas sob quais critérios?
As experiências bem-sucedidas, especialmente de países asiáticos, em realizar políticas industriais apresentam aspectos comuns. O objetivo central foi o desenvolvimento de tecnologia própria, a partir do permanente incentivo à inovação e da formação de fortes grupos empresariais domésticos. Não se trata, contudo, de oferecer proteção e subsídios sem contrapartidas.
Os grupos empresariais tiveram de satisfazer rigorosos requisitos de desempenho, particularmente em termos de exportações, exposição à competição e gasto em pesquisa. Além disso, houve nesses países certa capacidade de voltar atrás em experiências malsucedidas e redirecionar depressa os recursos.
Nas políticas de alcance nacional, a manutenção da estabilidade macroeconômica ocupa papel central. Deve-se evitar, por exemplo, a valorização cambial excessiva, que comprometa exportações. A demanda externa muitas vezes é determinante para gerar a escala necessária às novas atividades. Por fim, não é possível conceber um esforço nacional de desenvolvimento sem grande avanço educacional.
A partir desses critérios, ficam claros os problemas com a atual política industrial brasileira. Em primeiro lugar há clara tendência ao reforço da atual estrutura produtiva em setores de baixa e média intensidade tecnológica e insuficiente foco na criação de novas vantagens comparativas.
Nesse sentido, o financiamento do BNDES para a formação de grandes grupos nacionais em setores tradicionais pode se mostrar incompatível com a definição de política industrial. Corre-se o risco de perenizar a estrutura atual, inclusive em termos de excessiva concentração setorial, num mundo em constante transformação tecnológica.
Decerto incentivar a formação de empresas líderes nos segmentos em que o Brasil já é competitivo pode trazer benefícios -ao facilitar a captura de valor nas respectivas cadeias, cada vez mais globais. Mas, mesmo sob esse prisma, é preciso priorizar.
A formação de um grande grupo pecuário, com bilhões em financiamento público, seria prioridade nacional? A mobilização do BNDES e do Banco do Brasil para a formação de um oligopólio nas telecomunicações seria adequada ao objetivo de desenvolvimento tecnológico?
Essas questões são ainda mais relevantes quando se sabe que parcela crescente -já superior a R$ 100 bilhões, mais da metade- dos recursos do BNDES tem como contrapartida direta o endividamento extra do Tesouro, do qual os contribuintes são fiadores inadvertidos.
Parece haver certo voluntarismo nos bilionários empréstimos sem a devida clareza do que seria uma política condutora ao fortalecimento da economia nacional. Faltam, sobretudo, mecanismos transparentes de comunicação com a sociedade sobre os critérios por trás dessas escolhas.


Próximo Texto: Editoriais: Transparência na Justiça

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.