São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Reflexões sobre o projeto trem-bala

RICHARD M. STEPHAN


Não cabe privilegiar a tecnologia roda-trilho: seria comprar o obsoleto. A substituição pela levitação é uma quebra de paradigma


NESTE MOMENTO em que acaba de ser lançada a consulta pública para o edital de licitação do trem de alta velocidade (TAV), também conhecido como trem-bala, que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro, faz-se oportuno refletir sobre alguns pontos para evitar erros já cometidos no passado. Na página da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) está disponível o relatório conjunto preparado pelas empresas de consultoria Sinergia (brasileira) e Halcrow (inglesa) sobre esse projeto.
No volume 4 do relatório, denominado "Operações Ferroviárias e Tecnologia", constam algumas vantagens da tecnologia de levitação magnética (MagLev) em comparação com a tecnologia dos trens de alta velocidade roda-trilho: traçados mais íngremes (10% contra 4%), menor impacto ambiental, aceleração e desaceleração maiores (permitindo paradas com menor comprometimento do tempo total de percurso), curvas mais fechadas, traçados que evitam áreas ambientalmente sensíveis e redução de comprimentos de túneis e viadutos.
Esse mesmo relatório, reconhecendo essas significativas vantagens, conclui: "Isso significa que um traçado MagLev seria completamente diferente de um para um TAV roda-trilho de aço e necessitaria de um procedimento diferente para aprovação de projeto e planejamento. Por essas razões, MagLev não foi ativamente considerado no desenvolvimento do TAV". Ou seja, o relatório sentencia punitivamente uma excelente opção.
Além das vantagens citadas no relatório, acrescentamos o menor consumo de energia, a manutenção mais simples, a menor emissão de ruído e maior velocidade de cruzeiro (450 km/h contra 350 km/h), com similares custos de implantação. Trata-se de uma verdadeira agressão a qualquer lógica de bom senso, o que me obriga, como professor e especialista no tema, a apresentar uma abordagem didática para o melhor entendimento do assunto. Afinal, o projeto está orçado em R$ 34,5 bilhões e merece uma discussão ampla e bem informada.
Existem três tecnologias de levitação para transporte: eletromagnética (EML), de forças atrativas; eletrodinâmica (EDL), de forças repulsivas; e supercondutora (SML), baseada na propriedade diamagnética dos supercondutores de elevada temperatura crítica, sintetizados apenas em 1987.
As duas primeiras são indicadas para transporte de alta velocidade e vêm sendo discutidas há mais de 40 anos pela comunidade internacional nas conferências MagLev, que ocorrem a cada dois anos, desde 1968. A vigésima edição deu-se no ano passado, em San Diego, EUA.
Temos participado ativamente desse congresso. O Brasil, inclusive, sediou a MagLev 2000, na cidade do Rio de Janeiro. Essa foi a única vez que esse fórum de discussão foi deslocado para o hemisfério Sul, ocasião em que introduzimos a proposta SML para transporte.
A tecnologia SML, em razão da baixa potência necessária para garantir a levitação, encontra sua ideal aplicação no transporte urbano de baixa velocidade e está sendo explorada no projeto MagLev-Cobra, da Coppe/ UFRJ, o qual coordeno.
A substituição do sistema roda-trilho pela levitação significa, tanto para o transporte urbano quanto para o transporte interurbano, uma quebra de paradigmas, uma ruptura tecnológica. Algo semelhante ao que ocorreu com as máquinas fotográficas, com a substituição dos filmes sensíveis à luz pelas memórias digitais, ou com a preparação de textos, com as modernas impressoras e os softwares editores em substituição às máquinas de datilografar, para citar apenas dois exemplos do nosso cotidiano.
Declaradamente, o governo brasileiro pretende aproveitar a construção da ligação terrestre de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e São Paulo também como elemento propulsor do parque tecnológico e industrial.
Ora, se de fato estamos pensando no futuro, não cabe privilegiar a tecnologia roda-trilho, como concluiu o relatório da Sinergia e Halcrow, uma vez que estaríamos comprando o obsoleto, o que não tem perspectiva de futuro.

RICHARD M. STEPHAN é professor titular do Departamento de Engenharia Elétrica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).


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