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São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma agenda para parcerias na Amazônia

ISABEL CANTO

A reordenação de algumas colaborações internacionais na região Norte do Brasil é urgente e importantíssima. Refiro-me a colaborações que são desenvolvidas de forma isolada, sem vínculo institucional, resultado de uma série de fatores políticos e econômicos que fragilizaram as instituições nacionais de pesquisa, implementadoras dessas parcerias. Essa situação permitiu a continuação de programas que têm, hoje, pouca convergência com os objetivos estratégicos dos centros de pesquisa regionais. Grupos estrangeiros adquiriram, com o tempo, uma autonomia impressionante, estabelecendo mecanismos unilaterais de desenvolvimento de projetos no território brasileiro.
Alguns acadêmicos acreditam que a adoção de parâmetros rígidos do lado brasileiro, por si só, ocasionará modificações profundas. Qualquer mudança de cenário, no entanto, deve considerar as limitações do Estado em interferir diretamente no sistema hierárquico vigente. Cabe lembrar que a repartição das competências que norteia as colaborações acadêmico-científicas entre os hemisférios Norte e Sul é respaldada pela comunidade científica mundial. Como repartição de competências, refiro-me às atribuições de cada lado nessa equação, que, em geral, tem permitido ao pesquisador da Europa ou dos EUA fazer pesquisa e ensinar, cabendo ao pesquisador da América Latina aprender e investir em seu treinamento, participando esporadicamente de projetos na fronteira do conhecimento.
Os mais radicais advogam o apoio exclusivo a parcerias avançadas, em contraposição a cooperações tradicionais. Parcerias avançadas têm sido o modelo amplamente adotado pelos países desenvolvidos para colaborações entre si, cuja premissa básica é o desenvolvimento de projeto de pesquisa visando ao [ " desenvolvimento de tecnologias de ponta. O treinamento não é elemento central dessas cooperações.
Devido ao grau de excelência adquirido por alguns grupos de pesquisa brasileiros, há os que [ " consideram inadequadas as parcerias tradicionais, que têm como principais características formar recursos humanos, promover a participação dos grupos do Sul em projetos elaborados pelo Norte e envolver os grupos do Sul em pesquisas identificadas pelas agências estrangeiras como prioritárias e, portanto, passíveis de financiamento.
Por outro lado, o estabelecimento de um modelo intermediário de colaboração é inacessível a muitos grupos brasileiros. Esse modelo tende a assumir dimensões estratégicas, na medida em que se torna um instrumento central e permanente, que inclui, além de elementos tradicionais, a elaboração e o desenvolvimento conjunto de projetos.


O país deve criar modelos de parceria internacional em pesquisa capazes de gerar o desenvolvimento de tecnologia de ponta


Persiste entre alguns pesquisadores a noção de que, participando com 50% dos recursos financeiros, o país poderá estabelecer cooperações de igual para igual. Todavia, a participação financeira igualitária não significa o estabelecimento de parcerias avançadas. As colaborações científicas internacionais têm uma dinâmica muito particular, baseada, entre outros pontos, em tradições e hierarquias. O mesmo se pode afirmar com relação à idéia de que a equiparação da titulação acadêmica das equipes possibilitará o desenvolvimento de parcerias simétricas. A titulação é importante porque a ela se agregam vários outros fatores, como a publicação em periódicos de primeira linha, o acesso a equipamentos de última geração e a participação em projetos de ponta.
O grande desafio hoje não é optar por um modelo único de colaboração. O que se defende é o estabelecimento de critérios adequados aos interesses nacionais, que permitam ao governo brasileiro -por meio de seus organismos de fomento e avaliação- participar da elaboração dos editais, opinar sobre a alocação de recursos estrangeiros em território brasileiro, participar do processo de seleção de projetos e promover avaliações periódicas.
À comunidade científica brasileira que atua na região Norte, caberá negociar com as equipes estrangeiras o apoio ao treinamento de recursos humanos nos mais diversos níveis, o estabelecimento de uma agenda de pesquisa compatível com as competências dos grupos nacionais e sua participação na concepção e implementação de projetos.
O estabelecimento das expectativas governamentais dos benefícios dessas parcerias internacionais para os grupos de pesquisa brasileiros e para a sociedade é medida estratégica, [ " de fundamental importância, podendo ser um instrumento eficaz de combate à proliferação de colaborações informais de pouquíssimo interesse para o Brasil.

Isabel Canto, 47, é pesquisadora-associada do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e coordenadora-geral dos programas da Amazônia do Ministério da Ciência e Tecnologia.


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