São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Pra que discutir com madame?

SÃO PAULO - O edifício Villa Europa, o espigão do luxo extremado da rua Tucumã, deveria ser tombado (talvez nos dois sentidos). O prédio é um monumento à ilegalidade urbana e uma homenagem à cafonice imobiliária. Sim, há gosto para tudo, mas a lei é uma só.
Iniciada em 1994, a obra foi embargada em 1999, quando ficou constatado que a construtora havia erguido 30 metros além do permitido. São Paulo está repleta de construções irregulares. Mas essa é muito agressiva, acintosa demais.
Trata-se de um escândalo velho, que já se arrasta há 12 anos na Justiça -outro escândalo. O arranha-céu da Tucumã vai sobreviver, mas se tornou um mico da ostentação.
Ontem, a proprietária de um dos duplex avaliados em R$ 9 milhões, já instalada no apartamento, mesmo sem o Habite-se da prefeitura, disse à Folha: "Mas 90% dos prédios da Faria Lima não têm Habite-se, os prédios da rua Hungria não têm, tá todo mundo morando dentro de prédio sem Habite-se em São Paulo, não sei se você está sabendo". Bem, eu não estava sabendo. Você estava? A prefeitura tem o dever de saber. Ou devemos perguntar, como João Gilberto na canção, "pra que discutir com madame?".
O problema das ilegalidades habitacionais em São Paulo vai muito além da ação predatória do mercado imobiliário. O caso emblemático da torre da Tucumã é a ponta de um iceberg. Na sua base existem em torno de 2 milhões de pessoas morando irregularmente em áreas de mananciais na cidade. É praticamente a população de Paris.
Entre favelas, cortiços e loteamentos ilegais, vivem precariamente cerca de 3 milhões de paulistanos, conforme estudo do Conselho Municipal de Habitação divulgado no final do ano. O deficit habitacional da cidade, segundo o documento, é de 130 mil moradias.
Diante dessa realidade, protegida pela Justiça, do alto do seu espigão, madame pode esnobar à vontade um reles Habite-se. Ninguém tem. Você não estava sabendo?


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