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Brancaleone
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Com seu esfrangalhado exército de cinco homens, Brancaleone aderiu a um grupo de penitentes numa cruzada contra os infiéis.
Mestre em blabláblá e retórica, logo o
liderou na heróica marcha, sob o tradicional lema: ""Deus vult!" (Deus o
quer!).
No dia da luta, ele foi olhar o campo
de batalha: viu o horizonte tomado de
ponta a ponta por infiéis superarmados. Não se apertou. Saiu-se com a
mesma grandiloqüência: ""Deus non
vult!" (Deus não quer!).
Lembro a cena do filme de Monicelli
a propósito da súbita mudança de
opinião do governo. Vejo na mídia o
desfile das autoridades monetárias,
coadjuvadas por economistas e colunistas que lhes são simpáticos ou beneficiários. Garantem que tudo vai
bem. Um deles chegou a dizer que a
situação da economia brasileira é positiva.
Motivo: o Banco Central agora está
certo (antes não estava?), o FMI abriu
paternais exceções no acordo, aceitou
déficit primário como base disso ou
daquilo, soltou alguns caraminguás
para que FHC possa pagar aos especuladores de dentro e principalmente de
fora.
Tudo bem: ""Deus vult" assim.
Três meses atrás era ""Deus non
vult". Não haveria ataque ao real, o
Brasil não era a bola da vez, pelo contrário, o país era maior do que a crise.
A violenta mudança de opinião ainda
não mereceu a explicação tão cara a
FHC: ""Nunca disse isso!".
Enquanto o pessoal do governo e sua
periferia desenrolam as razões da
neoeuforia, o Brasil real contradiz o
Brasil do real pré e pós aquela sexta-feira de janeiro.
Prever que a inflação vai ser de tanto é o mesmo que prever a quantidade
de chuva que vai cair em São Paulo na
véspera do próximo feriadão.
Eu ia dar a esta crônica o título meio
esquisito de ""neoeuforia". Preferi o
Brancaleone porque, além do seu entusiasmo pela irrealidade, ele e seu esmolambado exército lembram a nossa
situação, na qual fazemos o costumeiro papel de penitentes.
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