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CARLOS HEITOR CONY
O iate e a canoa
RIO DE JANEIRO - Ainda bem que há gosto para tudo. Um milionário americano passou uns dias aqui no Rio,
trazendo no bolso um iate que é
maior do que um couraçado-de-bolso da 2ª Guerra Mundial. No bolso do
milionário ainda sobraria espaço para iates tão colossais que poderiam
comportar o Taj Mahal, a basílica de
São Pedro, de Roma, e o Maracanã
inteiro, com lotação esgotada.
Se eu fosse milionário (sem querer,
cito uma canção italiana dos anos 50,
"quante cose vorrei fà"), eu gastaria
meu dinheiro de forma mais espalhafatosa, teria um iate maior e melhor,
onde, além dos monumentos já mencionados, colocaria a Luma de Oliveira, agora solteira e sem gravidez,
as obras completas do Paulo Coelho,
o Cristo Redentor sem os braços abertos, 20 quilos de vaselina de boa procedência, um fio de prumo e uma
corda com duas pontas, em homenagem ao Campos de Carvalho, que desejava ir para a Bulgária levando a
vaselina, o fio de prumo e a corda
com duas pontas.
Não saberia o que fazer com tudo
isso, mas o importante seria realizar
um verso do Ribeiro Couto que li na
adolescência: "Se eu tivesse um barco, eu partiria agora".
Talvez nem partisse. Ficaria ancorado na Guanabara mesmo, fazendo
o que Deus fazia antes de ter a idéia
sinistra de criar um mundo: nada.
Meu barco inútil, minhas ambições
inúteis, pensando bem, não me fazem falta. Uma canoa talvez fizesse o
meu gênero, como a daquele conto
do Guimarães Rosa, em que o cara ficou no meio do rio sem ir para margem alguma.
Como se vê, o cronista é bastante
complicado, quer e não quer tudo ao
mesmo tempo. No fundo, como dizia
a mãe dele, "este menino não sabe o
que quer, vai terminar na pior, jornalista como o pai!".
Profecia de mãe é pior do que agouro de coruja à meia-noite. Mas, se tivesse de escolher entre o iate e a canoa, continuaria pedestre na minha
cidade, sem a responsabilidade de tomar conta da Luma de Oliveira.
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