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JOSÉ SARNEY
O que fazer?
Saddam está deposto. Seu bronze é um pedaço de metal que será
derretido pelo tempo e pelo fogo. Stálin, Ceausescu e muitos ditadores pagaram esse preço. Foram execrados
pela memória histórica. Esse foi o único resultado saudável dessa guerra insólita. O pior dela, a estátua da ONU
caída nas margens do East River, em
Nova York. A de Saddam ninguém lamenta, a da ONU vamos levar algumas décadas dobrando nossos sinos.
Mas a "roda do mundo", como cantava Drummond, continua girando. A
realidade é a força das armas.
Agora, os EUA vão dedicar todo o
seu esforço para recompor suas relações com a Europa, onde começou e
consolidou-se uma opinião pública
mundial pacifista contra a solução das
armas. Bush não pode prescindir de
uma Europa da qual os Estados Unidos foram uma projeção. Ela está fora
da reconstrução do Iraque. A presença da Inglaterra, em vez de solucionar
o problema, aumenta-o pelas razões
de equilíbrio com a Europa continental, leia-se Alemanha e França.
Não estou -e ninguém está- certo
de que o fim da guerra seja a derrota
do terrorismo. Ele somente perderá
força e motivação com a fim da questão palestina. Acredito que aí irá se
concentrar a tentativa de Bush de melhorar sua imagem perante o mundo.
Em todas essas hipóteses não entra a
Organização das Nações Unidas. Ela
saiu aniquilada. Teremos a fase de
uma diplomacia mundial bilateral. Os
americanos negociarão com o país-alvo de seus interesses. Se a ONU entrar,
não será como protagonista, e sim como procuradora.
Em relação ao Brasil, estamos ligados à sorte do continente sul-americano. Não passa por esta região nenhum
interesse maior no novo mapa do poder mundial. Estamos condenados à
marginalização. Duas únicas curiosidades existem em relação à América
do Sul. Uma, negativa, que é a presença de Chávez, agora acomodado, sabendo que as coisas não se resolvem
no grito. Outra, positiva, Lula, um líder carismático, responsável por uma
grande transformação no Brasil, com
uma biografia que inspira confiança e
desperta a atenção mundial. No mais,
não transita na região nenhum fluxo
econômico, político ou militar que faça parte do poder mundial.
Nesse quadro do após-guerra, a única coisa a fazer é buscar uma unidade
de nossos países para juntos buscarmos nossa inserção. Na queda do Muro de Berlim, não soubemos entrar no
novo mundo sem ideologias hegemônicas. Na Guerra do Golfo, em 1991, ficamos de fora e cometemos todas as
imprudências diplomáticas em atitudes quixotescas e inúteis. Agora, isolado, qualquer país desta área está fadado a curtir uma segregação de tempo e
de progresso. Falar em união é falar
em começar por Brasil e Argentina.
Uma aliança sem ressalvas. Sem as
questões de açúcar nem de carros. Esses interesses não podem comandar
nossas relações.
Só a união entre Brasil e Argentina
poderá salvar a América do Sul neste
após-guerra. Somente juntos poderemos ter forças para congregar todos
os países da região e, assim, constituirmos um peso específico e distinto.
É o que ocorreu na Europa quando,
depois da Segunda Guerra Mundial,
não tinham saída. Alemanha e França,
numa situação bem diferente da nossa, tiveram a coragem de unir-se, de
formar a Comunidade Européia e de
assegurar o futuro.
Sobre os escombros de Saddam, ponhamos a cultura da união e paz, marca deste continente sem guerras.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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