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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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JOSÉ SARNEY

O que fazer?

Saddam está deposto. Seu bronze é um pedaço de metal que será derretido pelo tempo e pelo fogo. Stálin, Ceausescu e muitos ditadores pagaram esse preço. Foram execrados pela memória histórica. Esse foi o único resultado saudável dessa guerra insólita. O pior dela, a estátua da ONU caída nas margens do East River, em Nova York. A de Saddam ninguém lamenta, a da ONU vamos levar algumas décadas dobrando nossos sinos.
Mas a "roda do mundo", como cantava Drummond, continua girando. A realidade é a força das armas.
Agora, os EUA vão dedicar todo o seu esforço para recompor suas relações com a Europa, onde começou e consolidou-se uma opinião pública mundial pacifista contra a solução das armas. Bush não pode prescindir de uma Europa da qual os Estados Unidos foram uma projeção. Ela está fora da reconstrução do Iraque. A presença da Inglaterra, em vez de solucionar o problema, aumenta-o pelas razões de equilíbrio com a Europa continental, leia-se Alemanha e França.
Não estou -e ninguém está- certo de que o fim da guerra seja a derrota do terrorismo. Ele somente perderá força e motivação com a fim da questão palestina. Acredito que aí irá se concentrar a tentativa de Bush de melhorar sua imagem perante o mundo.
Em todas essas hipóteses não entra a Organização das Nações Unidas. Ela saiu aniquilada. Teremos a fase de uma diplomacia mundial bilateral. Os americanos negociarão com o país-alvo de seus interesses. Se a ONU entrar, não será como protagonista, e sim como procuradora.
Em relação ao Brasil, estamos ligados à sorte do continente sul-americano. Não passa por esta região nenhum interesse maior no novo mapa do poder mundial. Estamos condenados à marginalização. Duas únicas curiosidades existem em relação à América do Sul. Uma, negativa, que é a presença de Chávez, agora acomodado, sabendo que as coisas não se resolvem no grito. Outra, positiva, Lula, um líder carismático, responsável por uma grande transformação no Brasil, com uma biografia que inspira confiança e desperta a atenção mundial. No mais, não transita na região nenhum fluxo econômico, político ou militar que faça parte do poder mundial.
Nesse quadro do após-guerra, a única coisa a fazer é buscar uma unidade de nossos países para juntos buscarmos nossa inserção. Na queda do Muro de Berlim, não soubemos entrar no novo mundo sem ideologias hegemônicas. Na Guerra do Golfo, em 1991, ficamos de fora e cometemos todas as imprudências diplomáticas em atitudes quixotescas e inúteis. Agora, isolado, qualquer país desta área está fadado a curtir uma segregação de tempo e de progresso. Falar em união é falar em começar por Brasil e Argentina. Uma aliança sem ressalvas. Sem as questões de açúcar nem de carros. Esses interesses não podem comandar nossas relações.
Só a união entre Brasil e Argentina poderá salvar a América do Sul neste após-guerra. Somente juntos poderemos ter forças para congregar todos os países da região e, assim, constituirmos um peso específico e distinto.
É o que ocorreu na Europa quando, depois da Segunda Guerra Mundial, não tinham saída. Alemanha e França, numa situação bem diferente da nossa, tiveram a coragem de unir-se, de formar a Comunidade Européia e de assegurar o futuro.
Sobre os escombros de Saddam, ponhamos a cultura da união e paz, marca deste continente sem guerras.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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