São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Cem dias de neoconservadorismo
JORGE BORNHAUSEN
Primeiro, ideológico. O esquerdismo foi substituído pelo neoconservadorismo econômico e, ainda por cima, praticado canhestramente. Vimos isso no diagnóstico da inflação. Deram como causada pela demanda, e não pela forte desvalorização do real. Consequentemente, aplicaram o remédio errado. O aumento dos juros e do compulsório dos bancos só serviram para contrair negócios, sinalizar para o risco de recessão e de desemprego, além, o que é pior, de aumentar a dívida pública. Só depois, e sem corrigir o erro cometido, a área econômica do governo Lula aumentou o percentual do superávit primário, que, aliás, poderia ser bem maior, uma vez que penaliza o grande gastador, o verdadeiro perdulário, o próprio governo. Sempre me pareceu insustentável a negação completa da teoria econômica, que era base da oposição petista ao governo FHC. Mas, daí ao governo Lula assumir o ideário econômico neoconservador, é um brutal exagero, uma rota à direita inimaginável cem dias atrás. As contradições não param aí. Que dizer, então, da criação de ministérios e secretarias apenas para empregar companheiros derrotados nas eleições estaduais, independentemente das respectivas qualificações? Estamos assistindo à maior onda de compensação de derrotados da história do Brasil. Sem falar da politização da administração de órgãos como a Embrapa, o IBGE, a Funasa e o Incra, que já haviam alcançado o saudável nível da profissionalização. Esse comportamento, nitidamente fisiológico, compromete o uso e abuso da palavra ética pelos petistas, quando eram oposição. Agora, no poder, aposentaram-na. Na verdade, falava-se de ética apenas para desqualificar os adversários como "não-éticos". Outra contradição: o novo salário mínimo foi fixado em R$ 240, com ínfimo aumento real, que os cálculos mais confiáveis dizem que não passa de 1,85%. Alegou-se que o teto foi baixo por "razões orçamentárias", ou seja, as mesmas alegações que o PT recusava, quando apresentadas nos anos anteriores pelo governo FHC... Quer dizer, então, que as mesmas alegações agora valem? E por que antes "não valiam" e o salário mínimo devia ser de US$ 100? Perplexo, vendo o governo Lula celebrar tão euforicamente seus cem dias, o povo brasileiro, que não é desmemoriado, interroga-se, parodiando o fecho do "Soneto de Natal", de Machado de Assis: mudou a aritmética ou os R$ 240 do salário mínimo do PT equivalem aos US$ 100 que o mesmo PT exigia quando era oposição? Jorge Bornhausen, 65, senador pelo PFL de Santa Catarina, é presidente nacional do partido. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Fernando Cardim de Carvalho: Oito mitos da política macroeconômica Índice |
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